30.7.02

Elucubração in bifurcaciones

Certo que possuíamos duas opções. Ou sentar na praça ou em frente ao mercado público. Ambos os lugares estavam ocupados pelo mesmo tipo de gente que fica em praça em dia de Domingo; hoje em dia isso não é poético, me parece dramático pra não dizer cômico e enfadonho. Me diz quem hoje senta em praça pra dar milho aos pombos? Jogadores de xadrez, engraxates, os pais e seus filhos e essas coisas ou duas garotas a la interviera com el publico. É, sacumé, sabemos... Sábados fui a um puta show de blues e fiquei bêbada e estava sem carro (como se isso fosse novidade)... e voltamos a pé, eu e mais uma conhecida do blues, pedindo carona e dando nossas migalhas, níqueis de resto ao primeiro carro que resolvesse dar uma caroninha.

Poxa vida, que vida. E o resto ficou pra depois. De Domingo não passava. Eu ou a entrevista, não importa. O dia mais fuleiro e xexelento de todos foi o escolhido pro tal trabalho de antropologia cultural, uma entrevista com determinado tipo social.

O problema, se é que isso é problema ou fatalidade porque sempre conheço as figuras mais bizarras (eu pelo menos acho). Uma das minhas bagatelas preferidas era ficar conversando com limpador de cinzeiros da lanchonete; a coisa que eu mais via ele fazendo por dia. Deve ser isso mesmo. Ele fumava Palermo, uma espécime de free do paraguai. Êta cigarrim, quando eu não tinha ele sempre me dava e eu hoje agradeço por isso seu Eurestes limpa-cinzeiros, espero que o senhor consiga se efetuar no seu próximo cargo quando aquele gordo barrigudo frustrado, o dono da lanchonete morrer. Por causa de dez centavos ele não quis me vender um café, que aliás custa trinta centavos. Ele não deve ter ido com a minha cara ou é turco ou já percebeu que eu peguei um dos seus cinzeiros de plástico. É, na minha casa não tinha nenhum e eu contei com sua compreensão comunista inconsciente por pelo menos até aquele dia que o sr. não quis me vender um de seus cafezinhos.

Essa uma das mais estranhas gurias, a Patrúncia. Vou mudar aqui o nome para fazer melhor a crítica da conjuntura, ou melhor, a fofoca. Quando cheguei naquela cidade cheia de gente de praia, outra vez eu estava fora de mim. Só que dessa vez o corpo estava também em contradição. Eu estava ali, estendida entre as mil e duzentos e cinqüenta e quarto mulheres. Psicologia é isso também, mulheres e mais mulheres e mais algumas. O que eu esperava? Ah, isso é outra fatalidade fatal, as fofocas. Tá, a Patrúncia foi a mais esquizóide de todas. Sua primeira abordagem:

- Vamos fazer uma festa de integração, o que você acha?

Bom, eu tinha acabado de chegar naquele lugar e qualquer coisa é coisa quando não se sabe onde está direito e desconhecidos se tornam os melhores amigos do momento; ao certo eu respondi claro. Então a partir daí passei a perceber que sua primeira abordagem foi direta e consistente. Ela realmente só pensava em festas e aguardente e homens e coisas afins. O semestre foi passando e fomos nos aproximando, conheci mais de suas esquizoidices, como por exemplo a mania que ela tinha de vomitar depois do almoço. Ela socava o dedo na goela todo dia, e não tinha bulimia, tudo era muito consciente e elaborado por sua consciência muito consciente de que ficar gorda era a pior coisa do mundo, especialmente quando o que mais importa é o corpo que está estirado diante dos outros. Nada mais, nada mias. O corpo e só e somente o corpo magro e muito osso a la vista.

Bom, como a gente dormia muito - um ponto que tínhamos em comum era faltar aula no dia seguinte. Então fomos fazer um trabalho de entrevista juntas. O melhor é que nem sabíamos do que se tratava, mas fomos a praça fazer a tal entrevista. O pessoal dizia "a gente fez na praça XV", então era certamente o certo a ser feito.

O que aconteceu, e o que eu ia dizer foi que no dia não encontramos ninguém na bendita praça e inventamos tudo a partir de uma observação primária. Tinha um cara com roupa dessas breguetes mata-atlântica-do-deserto que estava sentado vendo fotografias. A partir desse momento o trabalho deslanchou e concluímos o desenvolvimento no meu quarto enquanto tomávamos vodka com um refrigerante amarelo, que era o mais barato. No final das contas, por cima e por baixo de tudo isso, o cara era um militar, concluímos que sofria as conseqüências da hierarquia dos quartéis e suas repressões e seus canhões e sua família... ele estava num momento remember, típico de Domingo.

Inventamos toda a entrevista e também o resto - conclusão, introdução, dados sistemáticos, etecéteras e tal. No dia da apresentação parecíamos duas alienígenas falando da massificação dos pontos de vista, que geralmente acontece nos quartéis onde os homens estão submetidos a submissão ao superior, que se toma do poder que não é seu, e sim do seu superior e de seus infinitos graus de pdeudosuperioridades generalizadas. O soldado abaixo do cabo abaixo do sargento... Enfim, a hierarquia dos quartéis e a massificação dos pontos de vista foi o nosso tema em fuga - conseguimos chegar a um ponto mais interessante que uma simples entrevista poderia propiciar. O professor olhava com espasmo - talvez pela nossa capacidade elocubratória.

Ele tinha duas opções, ou considerar nossas divagações metafísicas, até certo ponto plausíveis, ou tascar logo um zero de fuga ao tema, nada a ver com o que eu queria! Tiramos uma nota lá que até deu pra passar, por piedade, eu acredito. Mas eu reprovei em antropologia cultural, coisa que minha mãe nem sabe nem se souber vai se importar muito porque ela diz faça o melhor que puder pra você e eu faço. Prefiro beber e ficar até a hora que eu quiser e esquecer que tenho mesmo uma idiota prova que não me acrescenta em nada. Como comprovar eu tenho, aqui, olha o que sobrou no fim de tudo. Escrever, porque tudo vai para os quintos mesmo, inclusive os conhecimentos inúteis de antropologia castro-cultural-acadêmica.

Depois de tirar dez numa prova, eu perdi a próxima e fiquei sem nota, porque no dia anterior dormi no carro de alguém que não sabia quem eu era, e que muito menos adivinharia que eu teria uma bendita prova de antropologia no mesmo dia. Vivendo e... Indo além das bifurcações eu encontro outro ponto que pode até não ter conexão com o academicismo factível. Mas o que se pode prever ou o que se tem a perder quando o assunto é outro ponto ou outra...

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