24.7.13

ah se fosse tua essa rua

No mundo moderno e contemporâneo, esse gesto de juntar ruínas e acordar mortos não é apenas negado pelo discurso dos vencedores e desvalorizado pela maioria, é também incômodo, inclusive para o próprio escritor: o poeta moderno, mesmo a contragosto, passou a ser uma "soma teimosa do que não existe", como diz um verso de Jorge de Sena, um homem que impõe aos outros homens a sua "visão profunda" e que vive "vomitando verdades no ventre desses caciques empombados, dessas medusas emplumadas, vomitando o [seu] ouro no ventre rechonchudo e quente desses dinossauros", como reconhece desesperadamente o Ruiska de Hilda Hilst, porque essa visão, a visão que os dinossauros recusam, é o excesso do mundo em que vivemos, aquilo que sobre, os restos e destroços que ninguém quer ver, aquilo que se varre para debaixo do tapete.

Trecho do prefácio de Hilda Hilst e o seu pendulear, de Nilze Maria de Azeredo Reguera, disponível aqui para download gratuito.


22.7.13

Tudo é porta
                    tudo é ponte
agora caminhamos na outra margem
olha lá embaixo correndo o rio dos séculos
o rio dos signos
Olha correndo o rio dos astros
abraçam-se e separam-se voltam a unir-se
falam entre si uma língua de incêndios
suas lutas seus amores
são a criação e a destruição dos mundos

(...)

Octavio Paz, trecho do poema 'Noite em claro' (tradução de Claudio Willer, via Revista Agulha

16.7.13

seush cretinosh, não sejam tão hipócritash

"Todos nós conversamos e temos compreensões similares, e dizemos tudo que queremos, e falamos sobre nossos cus e nossos paus, e sobre quem nós comemos ontem a noite, ou quem vamos comer amanhã, ou que tipo de caso de amor nós temos, ou sobre quando ficamos bêbados, ou sobre quando enfiamos uma vassoura no cu no Hotel Ambassador em Praga - qualquer um fala com amigos sobre isso. E aí, o que acontece se você distingue o que fala com seus amigos do que fala com sua Musa? A questão é acabar com essa distinção: se aproximar da Musa para falar tão abertamente quanto falaria consigo mesmo ou com seus amigos. Daí, conversando com Burroughs, Kerouac e Gregory Corso, em conversas com pessoas que eu conhecia bem, cujas almas eu respeitava, comecei a perceber que o que estávamos realmente dizendo uns aos outros era totalmente diferente do que já existia em literatura. Essa foi a grande descoberta de Kerouac em On The Road. As coisas que ele e Neal Cassady falavam, ele finalmente descobriu, era a matéria-prima para o que ele queria escrever. Isso significava, naquele instante, uma completa modificação do que a literatura deveria ser na cabeça dele, e também nas cabeças das primeiras pessoas a ler o livro. Certamente, nas cabeças dos críticos, que num primeiro momento atacaram ele por não ser corretamente estruturado, ou algo assim. Trocando em miúdos, um bando de amigos andando por aí num carro. O que é obviamente como um excelente procedimento da literatura picaresca, e um dos clássicos. E não foi reconhecido na época como assunto literário pertinente." 

Allen Ginsberg, em A Arte da Poesia (entrevista). Geração Beat/ Org. Sergio Cohn, 2010.

9.7.13

Haikus de Allen Ginsberg

 aqui livremente traduzido por tamara e costa


Bebo meu chá
Sem açúcar
 Sem discordar.

Cocô de pardal
de cabeça pra baixo
- ah, meu cérebro & ovos.

Cabeceira Maia num
pacífico tronco de argila
- Um dia vou viver em N.Y.

Olho pelo ombro
meu está traseiro coberto
de flores de cerejeira.

     Haiku de Inverno
Eu não sabia os nomes
das flores--agora
meu jardim desapareceu.

Estapeei o mosquito
e o deixei escapar
- O que me fez fazer isso?

Lendo Haiku
Sou infeliz,
ansiando pelo Inominável.

Um sapo boia
na jarra de fármacos:
chuva de verão no asfalto.

Na sacada
nos meus shorts;
faróis na chuva.

Mais um ano
que se passa - o mundo
não está diferente.

A primeira coisa que procurei
no meu antigo jardim foi
A Cerejeira.

Minha velha escrivaninha:
a primeira coisa que procurei
em minha casa.

Fantasma de mamãe:
a primeira coisa que achei
na sala.

Parei de me barbear
mas os olhos que olhavam para mim
mantiveram-se no espelho.

O louco
surge dos filmes:
a rua na hora do almoço.

Cidades de jovens
estão no túmulo,
e nesta vila...

Deitada a meu lado
no vazio:
a respiração de meu nariz.

No décimo quinto andar
o cão rói um osso-
Guicho para táxis.

De pau duro em Nova York,
um menino
em San Francisco.

A lua sobre telhado,
minhocas no jardim,
aluguei esta casa.



1) Todas as conversas - "Preciso de uma colher para tomar a sopa" - abrem caminho para a Elipse, tudo que eu falo é haiku.

2) A imagem Ocidental (metáfora aristotélica da equidade) é um haiku comprimido.

3) O estudo das principais formas de elipse, haiku nu, pode ser aplicado no avanço das práticas da metáfora ocidental.

4) Hauku= imagens objetivas escritas sem a interferência da mente resultam inevitavelmente na sensação mental das relações. Nunca tente escrever das relações em si, apenas as imagens que representam tudo que pode ser escrito sobre o assunto.

em Allen's Journals (Fall, 1955).



Originais em inglês via Ginsbergblog.


 

8.7.13

"Ninguém pode se furtar à crença no poder mágico das palavras. (...) A confiança ante a linguagem é a atitude espontânea e original do homem: as coisas são seu nome. A fé no poder das palavras é uma reminiscência de nossas crenças mais antigas: a natureza está animada; cada objeto possui uma vida própria; as palavras, que são os duplos do mundo objetivo, são também animadas. (...) Algumas palavras se atraem, outras se repelem, e todas se correspondem. A fala é um conjunto de seres vivos, movidos por ritmos semelhantes aos que regem os astros e as plantas."


"A operação poética não é diferente do conjuro, do feitiço e de outros processos de magia. A atitude do poeta tem muita semelhança com a do mago. Ambos usam o princípio da analogia; ambos agem com fins utilitários e imediatos; não se perguntam o que é o idioma ou a natureza, mas servem-se deles para seus próprios fins. Não é difícil acrescentar outra característica: magos e poetas, diferentemente de filósofos, técnicos e sábios, extraem seus poderes de si mesmos."

 Octavio Paz, O Arco e a Lira, via Claudio Willer