24.7.15

a crítica surrealista de Willer

"Como já observei em outras ocasiões, indagando sobre a possibilidade de uma crítica surrealista (Willer 2008-a, p. 318; Willer 2006), o surrealismo é um instrumento de leitura; um meio para enxergar mais em outros autores, independentemente desses serem expressamente vinculados ou não àquele movimento. Inclusive para enxergar mais em Dante, como já o sugerira Breton no Manifesto do Surrealismo, ao abrir a série de atributos surrealistas em predecessores: (“Mallarmé é surrealista na confidêmcia. Jarry é surrealista no absinto. Nouveau é surrealista no beijo.” etc): “Numerosos poetas poderiam passar por surrealistas, a começar por Dante e, em seus melhores momentos, Shakespeare” (Breton 2001, p. 41) É o procedimento de Piva com relação a Dante, invertendo-o, transformando o Inferno em Paraíso."

22.7.15

morrendo infinito com Blanchot

"… Pode ser que Nathalie, falando-me desse projeto
só tenha querido destruir, com seu ciúme, 
as aparências que vivíamos.
Pode ser que, cansada de me ver assumir com aparente fé,
meu papel no grand monde, ela tenha com essa história
lembrando a verdade de minha condição e apontado meu lugar.
Ela ainda pode ter obedecido a uma ordem misteriosa
que era minha e que soa em mim como voz reconhecida,
voz ciumenta também de um sentimento incapaz de se apagar.
Quem pode dizer: isso aconteceu porque os incidentes permitiram?
Isso aconteceu porque, certo dia, os fatos se tornaram enganosos
e num arranjo estranho autorizaram a verdade a se apropriar deles.
Eu não fui o mensageiro infeliz de uma ideia mais forte que eu,
nem seu brinquedo, nem sua vitima, pois esta ideia,
se me venceu, só venceu por mim;
e finalmente ela sempre esteve eu a minha altura.
Eu a amei e só amei a ela e tudo que aconteceu
eu o quis.
E só tendo olhos para ela, onde estivesse e onde eu pudesse estar,
na ausência, na tristeza,
na fatalidade das coisas mortas,
na necessidade das coisas vivas,
na fadiga do trabalho,
nos rostos nascidos da minha curiosidade,
nas minhas falsas palavras,
juramentos misteriosos,
no silencio e à noite,
 eu lhe dei toda a força
e ela me deu a sua toda,
de modo que esta força tão grande,
incapaz de ser desfeita, nos conduz, talvez,
a sofrer sem medida.
Mas se é assim, este sofrer,
eu o suporto e me regozijo muito.
E a ela, eu digo eternamente
"Vem", e ela eternamente está lá."


Maurice Blanchot, in L'arrêt de mort

3.7.15

[morrendo assim no cerne do silêncio] com Maurice Blanchot

Quando morre um escritor "o que se abre não é exatamente o silêncio, mas o 'recuo' do silêncio, por um rasgão na espessura silenciosa e, através desse rasgão, pela aproximação de um novo ruído que anunciará a era sem palavra. Nada de grave, nada de ruidoso; apenas um murmúrio, que nada acrescentará ao grande tumulto das cidades de que julgamos sofrer. A sua única característica: é incessante. Uma vez ouvido, não pode deixar de o ser, e como nunca o ouvimos verdadeiramente, como escapa à escuta, escapa também à toda distração, tanto mais presente quanto mais nos desviamos: ressoar antecipado do que foi dito e do que nunca será". Maurice Blanchot (1984), citado no artigo "A morte do último escritor"


Falar já não é dizer nem denominar. Falar é celebrar, e celebrar é glorificar, fazer da fala uma pura consumação irradiante que ainda diz quando nada mais há a dizer, que não dá nome ao que é sem nome, mas o acolhe, o invoca e o celebra, única linguagem em que a noite e o silêncio se manifestam sem que se quebrem nem se revelem:
Oh, diz-me, poeta, o que tu fazes.  – Eu celebro.
Mas o mortal e o monstruoso,
Como o suportas e o acolhes? – Eu celebro.
Mas o sem nome, o anônimo,
Como, poeta, o invocas, porém? – Eu celebro.
Onde adquires o direito de ser verdadeiro
Em todas as roupagens, sob todas as máscaras? – Eu celebro.
E como o silêncio te conhece, e o furor,
Assim como a estrela e a tempestade? – Porque celebro.

(também Blanchot, 1987, citado no artigo "A curvatura da escrita")