22.7.15

morrendo infinito com Blanchot

"… Pode ser que Nathalie, falando-me desse projeto
só tenha querido destruir, com seu ciúme, 
as aparências que vivíamos.
Pode ser que, cansada de me ver assumir com aparente fé,
meu papel no grand monde, ela tenha com essa história
lembrando a verdade de minha condição e apontado meu lugar.
Ela ainda pode ter obedecido a uma ordem misteriosa
que era minha e que soa em mim como voz reconhecida,
voz ciumenta também de um sentimento incapaz de se apagar.
Quem pode dizer: isso aconteceu porque os incidentes permitiram?
Isso aconteceu porque, certo dia, os fatos se tornaram enganosos
e num arranjo estranho autorizaram a verdade a se apropriar deles.
Eu não fui o mensageiro infeliz de uma ideia mais forte que eu,
nem seu brinquedo, nem sua vitima, pois esta ideia,
se me venceu, só venceu por mim;
e finalmente ela sempre esteve eu a minha altura.
Eu a amei e só amei a ela e tudo que aconteceu
eu o quis.
E só tendo olhos para ela, onde estivesse e onde eu pudesse estar,
na ausência, na tristeza,
na fatalidade das coisas mortas,
na necessidade das coisas vivas,
na fadiga do trabalho,
nos rostos nascidos da minha curiosidade,
nas minhas falsas palavras,
juramentos misteriosos,
no silencio e à noite,
 eu lhe dei toda a força
e ela me deu a sua toda,
de modo que esta força tão grande,
incapaz de ser desfeita, nos conduz, talvez,
a sofrer sem medida.
Mas se é assim, este sofrer,
eu o suporto e me regozijo muito.
E a ela, eu digo eternamente
"Vem", e ela eternamente está lá."


Maurice Blanchot, in L'arrêt de mort

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