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5.7.10

mi individualidad

"Minha mãe quis que eu fosse bailarina. Eu não queria..." Hilda Hilst

Depois quis que eu fosse dançarina. Eu não queria. Meu pai queria que eu fosse pianista. Eu não queria. Depois, que eu lesse em voz alta a bíblia. Eu não queria, santo deus. Queria também que eu chegasse na hora marcada, que eu fosse generosa, que eu não bebesse, não saísse e não tivesse namorado antes dos dezoito. Eu só queria desenhar algumas coisas. Pregava os desenhos – folhas A4 – na parede do quarto, ao lado da cama ou embaixo - o diabo. Queria também desenho impresso no corpo - tatuagem.

Minha mãe quis que eu fosse psicóloga. Eu não queria. Vendi meu teclado e comprei um violão, musicoterapia. A essas horas meu pai já não queria mais nada, estava morto e sepultado. Era um cara que parecia mais feliz morto, pelo menos para mim. Meu pai queria ter ido para um mosteiro. Eu não quis acreditar que seu maior sonho era se ver livre de mim (nós) e passar o resto de sua existência entoando mantras e vivendo em puro silêncio, ou algo que se assemelhasse.

Eu quis entender porque ele queria aquelas coisas tão absurdas. Quis ler os livros dele. Depois, quis ser outra pessoa – quis ser alguém que sabia como percorrer as dimensões da alma, dos territórios, de todos os corpos. Minha mãe quis que eu ficasse em casa. Estrapolei as dimensões, rasguei a página e me virei do avesso até não me reconhecer mais no espelho. Raspei a cabeça, fiz o santo ou então o incorporei. Depois ela quis que eu me curasse, que tomasse remédio e ficasse bem, ou melhor, me adaptasse. Eu só queria escrever algumas coisas.

E então eu usava umas sapatilhas, não porque fosse bailarina, mas porque meus pés eram diferentes dos outros. Eu também não usava mais óculos, mesmo com mais de nove graus. E então eu me perguntava. O que você quer ser quando crescer? Eu não queria. Crescer era ter que vender minhas horas. As horas que me serviam para escrever alguma coisa. Eu precisava escrever alguma Koisa, eu devia.

Trechos usurpados do do Hilda Hilst - 4 min.

Ver também:

10.5.10

ANGÚSTIA

trecho do Conto de Antón Tchekhov

A quem confiarei a minha dor?


"— Hi! hi!… é mesmo…
— Pois bem, "é mesmo", corre!… Será que vais correr sempre dessa maneira? Sim!… Então, queres apanhar ?
— Estou com a cabeça estourando… diz uns dos grandes. Ontem, à noite, na casa de Dukmassov, Vaska e eu bebemos quatro garrafas de conhaque.
— Eu não compreendo como é que se pode mentir assim! indigna-se o outro grande. Êle mente como uma égua!
— Que Deus me castigue se não fôr verdade!
— Verdade como seria galinha com dentes, lona sorri:
— Hi! hi! que gente alegre!…
— Que diabo te… exclama o corcunda. Não queres correr, "sua" peste? É assim que se corre? Dá-lhe com o chicote! Oorre! Diabo! Dá-lhe uma boa chicotada!

Iona sente nas costas o corpo do corcunda que se mexe e ouve a voz que treme; ouve as injúrias que lhe dirigem; olha para as pessoas que o cercam e começa a sentir saudades da solidão. O corcunda berra até ser sufocado por um palavrão de arripiar os cabelos, ou tomado por um violento acesso de tosse...

(...)


Não ganhei nem sequer para a minha aveia, pensa êle; aí está porque me aborreço!… Um homem que faz o que tem que fazer, quando come bem e o seu cavalo igualmente, está sempre tranqüilo."



*Esse texto foi retirado de consciencia.org, disponível por completo neste link

6.4.10

O Pesa Nervos

de Antonin Artaud

O difícil é encontrar de fato o seu lugar e restabelecer a comunicação consigo mesmo. O todo está em certa floculação das coisas, no agrupamento de toda essa pedraria mental em torno de um ponto que falta justamente encontrar.
E eu, eis o que penso do pensamento:
A INSPIRAÇÃO CERTAMENTE EXISTE.
E há um ponto fosforescente onde toda a realidade se reencontra, porém mudada, metamorfoseada — e pelo quê? — um ponto de mágica utilização das coisas. E eu creio
nos aerólitos mentais, em cosmogonias individuais.
Toda a escritura é uma porcaria.
As pessoas que saem do vago para tentar precisar seja o que for do que se passa em seu pensamento são porcos.
Todo o mundo literário é porco, e especialmente o desse tempo.
Todos aqueles que têm pontos de referência no espírito, quero dizer, de um certo lado da cabeça, em bem localizados embasamentos de seus cérebros, todos aqueles que são mestres em sua língua, todos aqueles para quem as palavras tem um sentido, todos aqueles para quem existem altitudes na alma, e correntes de pensamento, aqueles que são o espírito da época, e que nomearam essas correntes de pensamento, eu penso em suas tarefas precisas, e nesse rangido de autômato que espalha aos quatro ventos seu espírito, — são porcos.
Aqueles para quem certas palavras têm sentido, e certas maneiras de ser, aqueles que
mantêm tão bem os modes afetados, aqueles para quem os sentimentos têm classes e que
discutem sobre um grau qualquer de suas hilariantes classificações, aqueles que crêem ainda em "termos", aqueles que remoem ideologias que ganham espaço na época, aqueles cujas mulheres falam tão bem e também e que falam das correntes da época, aqueles que crêem ainda numa orientação do espírito, aqueles que seguem caminhos, que agitam nomes, que fazem bradar as páginas dos livros — são os piores porcos.
Você é bem gratuito, moço!
Não, eu penso em críticos barbudos.
Eu já lhes disse: nada de obras, nada de língua, nada de palavra, nada de espírito, nada.
Nada, exceto um belo Pesa-nervos.
Uma espécie de estação incompreensível e bem no meio de tudo no espírito.
E não esperem que eu lhes nomeie esse tudo, que eu lhes diga em quantas partes ele se
divide, que eu lhes diga seu peso, que eu ande, que eu me ponha a discutir sobre esse tudo, e que, discutindo, eu me perca e me ponha assim, sem perceber, a PENSAR — e que ele se ilumine, que ele viva, que ele se enfeite de uma multidão de palavras, todas bem cobertas de sentido, todas diversas, e capazes de expor muito bem todas as atitudes, todas as nuanças de um pensamento muito sensível e penetrante.
Ah, esses estados que nunca são nomeados, essas situações eminentes da alma, ah, esses intervalos de espírito, ah, esses minúsculos malogros que são o pão de cada dia de minhas horas, ah, esse povo formigante de dados — são sempre as mesmas palavras que me servem e na verdade eu não pareço mexer muito em meu pensamento, mas eu mexo nele muito mais do que vocês na realidade, barbas de asnos, porcos pertinentes, mestres do falso verbo, arranjadores de retratos, folhetinistas, rasteiros, ervateiros, entomologistas, praga de minha língua.
Eu lhes disse que não tenho mais minha língua, mas isto não é razão para que vocês
persistam, para que vocês se obstinem na língua.
Vamos, eu serei compreendido dentro de dez anos pelas pessoas que farão o que vocês
fazem hoje. Então meus gêiseres serão conhecidos, meus gelos serão vistos, o modo de
desnaturar meus venenos estará aprendido, meus jogos d’alma estarão descobertos. Então meus cabelos estarão sepultos na cal, todas minhas veias mentais, então se perceberá meu bestiário e minha mística terá se tornado um chapéu. Então ver-se-á fumegar as junturas das pedras, e arborescentes buquês de olhos mentais se cristalizarão em glossários, então verse-ão cair aerólitos de pedra, então ver-se-ão cordas, então se compreenderá a geometria sem espaços, e se aprenderá o que é a configuração do espírito, e se compreenderá como eu perdi o espírito.
Então se compreenderá por que meu espírito não está aí, então ver-se-ão todas as línguas estancar, todos os espíritos secar, todas as línguas encorrear, as figuras humanas se achatarão, se desinflarão, como que aspiradas por ventosas secantes, e essa lubrificante membrana continuará a flutuar no ar, esta membrana lubrificante e cáustica, esta membrana de duas espessuras, de múltiplos graus, de um infinito de lagartos, esta melancólica e vítrea membrana, mas tão sensível, tão pertinente também, tão capaz de se multiplicar, de se desdobrar, de se voltar com seu espelhamento de lagartos, de sentidos, de estupefacientes, de irrigações penetrantes e virosas, então tudo isto será considerado certo, eu não terei mais necessidade de falar.

25.11.09

Dos excessos

Ainda sob o efeito de diálogos intertextuais com milord Bataille - entre outras obscenidades soberanas - insisto em dizer que adquiri o livro "O Erotismo", há cerca de seis anos atrás, na ala dos promocionais de uma livraria de um shopping center. Um livro raro. Um espasmo. Tarja vermelha. Seria isso mais um absurdo? "Não posso conceber sentido que não seja - meu - suplício, quanto a isso sei bem" Georges Bataille em A experiência Interior. Talvez fato deste blogue ter sido, desde o início, uma súplica - ou uma voz de esquina - não seja mera coincidência. Teria também o chamado de O vômito do abutre, no subtítulo. Algo que de horror em mim suscitava a curiosidade e o desvelamento - há quantos anos atrás?

"Mas o ser aberto - à morte, ao suplício, à alegria - sem reserva, o ser aberto e moribundo, dolorido e feliz, já aparece em sua luz velada: esta luz é divina. E o grito - que com a boca desfigurada, este ser quer (inutilmente?), que seja ouvido - é uma imensa aleluia. perdida no silêncio sem fim". Prefácio de Madame Edwarda, estudo VII d'O Erotismo, de Georges Bataille.


Ver também: O Poder Fálico da Mulher e a feminilidade do homem, de Valdeci Gonçalves da Silva Assinar feed do autor

21.4.07

Em cadeia...

"Tenho um conhecido, por exemplo... Mas senhores! Claro que ele é vosso conhecido também, não há ninguém que não o conheça. Quando se prepara para uma ação, esse cavalheiro logo vos explica exatamente, com elegância e clareza, como deverá agir em consonância com as leis da razão e da vontade. E mais: falar-vos-á animada e apaixonadamente dos verdadeiros interesses normais do homem, zombará com ironia dos idiotas de vistas curtas que não percebem seus próprios interesses, nem o valor real da virtude. Mas, um quarto de hora depois, sem nenhuma súbita provocação externa, simplesmente obedecendo a algum impulso interior mais forte que todos os seus interesses, partirá para uma jornada inteiramente diferente - isto é, agirá contrariamente a tudo o que acabara de dizer sobre si mesmo, contra as leiz da razão, contra o seu próprio interesse, numa palavra, contra tudo... Previno-vos que meu conhecido é uma personalidade múltipla, pelo que se torna difícil condena-lo individualmente. O fato é, senhores, que deve realmente existir alguma coisa mais cara a quase todo homem do que seus maiores interesses, ou (para não violar a lógica), sempre há um interesse interessante (aquele único omitido de que falamos a pouco) que é mais importante e mais interessante que todos os interesses, pelos quais o homem, se necessário, estará pronto a investir contra todas as leis, ou seja, contra a razão, a honra, a paz, a prosperidade – em suma, contra todas essas coisas belas e úteis, desde que possa atingir aquele interesse fundamental que lhe é mais caro que todos os demais."

(Trecho ursurpado de 'Notas do suterrâneo', de Fiodór Dostoievski, para fins de pura obscenidade, digo, perturbação)



Tem uma coisa nas gentes
que o medo ou a vergonha
ainda não foram capazes de mascarar:
o cheiro.

22.12.05

She lost it [Ela perdeu aquilo]
Retirado do livro 'Destruição do pai/ Reconstrução do pai - Escritos e entrevistas', de Louise Bourgeois



UM HOMEM
E UMA MULHER
VIVERAM JUNTOS
UMA NOITE ELE NÃO VOLTOU
DO TRABALHO E ELA ESPEROU.
ELA FICOU ESPERANDO E ELA FOI FICANDO
MENOR SEMPRE MENOR
MAIS TARDE UM VIZINHO PASSOU POR AMIZADE
E ALI A ENCONTROU NA POLTRONA
DO TAMANHO DE UMA ERVILHA.


3.5.04

de Régis Bonvicino

penetração pessoal-poética. Régis Bonvicino, poética penetra... mesmo. vendo aqui;



3


Alguns dos escritos no muro
podem ser designados como verdade


alguns como arte




4


O que é dito para representar um espelho
do dia-a-dia da vida em seu tempo




5


"Fabius Naso
fala pelo rabo


e caga pela boca"
por exemplo




6


"Foutes les Arabes"
por exemplo




7


Certas palavras e imagens
ou parte de imagens


se lascaram
Freqüentemente aparecem à venda


na calçada, tendas,
ante os muros


de outras cidades

15.12.02

LIVRO: Morangos mofados, por Caio Fernando Abreu.

Você passa a vida inteira escrevendo e tirando dos bagos a essência de alguma coisa não dita, experimentanto tudo com a própria coluna o sangue das experimentações não-experimentadas - maneiras diferentes de ver as coisas permitindo melhor a imaginação dos preguiçosos de plantão. Porque a maoria das pessoas não vive, apenas existe já dizia outro escrivinhante... Olha, as palavras não são objetos, não vamos domesticá-las usando tantas aspas - paradoxalmente sou a favor dos direitos autorais, melhor dos direitos dinheirais. Porque pra ter vida é preciso comer, e pra comer... tá, eu uso aspas mesmo. Depois que o sujeito morre os leitores tem a chance de mergulhar no universo... blablabla. Confiram a matéria simplesmente.

Cartas para Hilda Hilst e para Adriana Calcanhoto também, logo después.

10.12.02

"O único obstáculo entre a grandeza e eu sou eu mesmo." Woody Allen no divã