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10.12.14

cavalo dado

por tamara e costa

Tô vendo esse homem na minha frente em vários homens
este homem é um colega ao lado que diz que choro involuntário é falso, oh mulher
este homem são todos os outros que não te respeitaram
sinceramente, este é o homem que não leu nada e já sabe tudo
este homem são todos que acham que mulher não pode pensar ou filosofar que tem dificuldades de raciocínio; que são incapazes de controlar o choro este homem poderia ser meu avô ou o seu poderia ser você?
este homem é o mesmo que confunde relato com história e história com benefício
direitos humanos com polícia
machismo com liberdade de expressão
religião com paranoia
amor e feminicídio
este homem poderia ser meu irmão ou o seu
naquele dia você pediu pra que ele lavasse a louça e ele disse que você, você, oh mulher, que o devia este homem é uma mulher que se autoinvalida
este homem te invalida
este homem está muito irritado com a sua independência financeira, com o fato de você sair de casa todos os dias
este homem se diz algo que não é
este homem é um molde crucifixo
este homem ri quando você diz que quer conversar e é sério
este homem desvelou seu mistério roubou sua alma, violou seu espaço
este homem matou a pura menina que gozava entre espaços privados e amigos, conhecidos e desconhecidos, parentes, padres, presidentes este homem tem horror à fantasia
este homem prefere geladeiras, opta pelo bolo ou só pela comida
este homem te trancou no porão e jogou a chave na jaula dos tigres famintos
este homem nasceu do teu ventre, oh mulher
este homem te deixa sozinha.


last memorie: Das cavalidades

5.1.14

amarga inveja de whitman

por tamara e costa

o sol esquenta sua cama e você não pode mais dormir
todos estão felizes lá fora
todos tem pra onde ir
com suas famílias e amigos e câmeras

o sol esquenta as testas dos mais vastos assalariados
assim como eu
devia estar alegre
é fim de semana:
você acorda pilhadasso
e sai correndo pra acabar com as banhas
sem pensar
continua quente
ventila & uma rede basta

um dia eu tive um desejo
bem maior que as circunstâncias
hoje tenho que carregá-lo
ingrisia

trabalhar oito horas por dia não foi um sonho
então você acorda
pensamentos esquentam sua caixa craniana e você não pode mais dormir.

16.5.12


na escada do vento
o sonho
folha que cura pequeno exu que
dança extático
[...]

trecho de “incorporando o jaguar”, Cliclones, Roberto Piva. Incluído no terceiro volume de suas Obras reunidas, Estranhos sinais de Saturno, Ed. Globo, 2008. 


Aoish, homem de negócios, me trazia também as histórias de sua mulher no intervalo da contabilidade. A cada desenrolar de novelo, entre os saldos “Mas por que são tão complicadas?”. Eu dava um sorrisinho repetido, amigável, como quem diz “Te vira negão. Problema teu”. Meu lance com Aoish eram os câmbios, tão somente. Nos encontrávamos uma vez por mês. Nos intervalos, de mente vazia, eu pensava sobre a questão. Um dia eu disse: “EU Aoish? Na minha opinião?”. Desinteressado em algo do tipo que não fosse negociação, levava os dólares do câmbio enquanto eu saía com o segredo. O cara tinha um insistente devaneio apaixonado de ir para a cama com outra mulher que não a dele. Saía sozinho, noite paga com os centavos que arredondava, metia uma duas três, mas não conseguia chegar lá. Quando estava quase, mas quase mesmo, lá naquele ponto que não dá mais recuo, tinha a tal visão. Via-se externo ao próprio corpo empunhando uma vingativa. Chocado, dizia “Não consigo entender mesmo mulher” e seguia luta para viver. Não morto, porém triste, queixo no peito, atravessava de volta as avenidas despedindo-se de perspectivas si mesmo, derrota cônscia e limitação em olhos que não podiam defrontar-se no espelho. É isso aí, quem sabe um dia, Aoish, quem sabe no dia que ela sumir. Na última troca, o cara chegou com uma faixa lhe assentando a cabeça. “Me fodi. Agora dá pra todo mundo ver...”, sentou e desatou a falar, como de praxe, que não suportava que duvidassem de sua honestidade. Arrendondava sim quantias a seu favor, argh, rum rum, mas “roubava quase nada”. Na noite anterior, o ladrão entrou pela janela e bagunçou-lhe a casa toda. Tinha levado muito pouco, além da papelada, quase nada, se comparado à seu temor de que o bandido tivesse sacado o caixa dois com a vantagem dos centavos. Enquanto ia sendo subtraído, abriu o portão e deu de cara com a mulher do tamanho de uma ervilha roendo uma gigante espiga vingativa de fronte para a reprodução. Mirou-se, abrindo buraco no coronário. Em seguida abriu a gaveta, pegou as moedas e começou a tapá-lo.

* Conto-exercício para a Oficina do Marcelino
Categoria intitulados porém ariscos. 

ver também: Coisa com Coisa #4