9.1.15

A estética do oprimido - Augusto Boal (2009) - trechos

Como é possível defender a multiplicidade cultural e, ao mesmo tempo, a ideia de que existe apenas uma estética, válida para todos? Seria o mesmo que defender a democracia e, ao mesmo tempo, a ditadura

A castração estética vulnerabiliza a cidadania obrigando-a a obedecer mensagens imperativas da mídia, da cátedra e do palanque, do púlpito e de todos os sargentos, sem pensá-las, refutá-las, sequer entendê-las!

O analfabetismo estético, que assola até alfabetizados em leitura e escritura, é perigoso instrumento de dominação que permite aos opressores a subliminal Invasão dos Cérebros! As ideias dominantes em uma sociedade são as ideias das classes dominantes, certo, mas, por onde penetram essas ideias?

Pelos soberanos canais estéticos da Palavra, da Imagem e do Som, latifúndios dos opressores! É também nestes domínios que devemos travar as lutas sociais e políticas em busca de sociedades sem opressores e sem oprimidos. Um novo mundo é possível: há que inventá-lo!

***
 ... avanço duas teses principais: 1 — existem duas formas humanas de pensamento – Sensível e Simbólico –, e não apenas esta que se traduz em discurso verbal. São formas complementares, poderosas, e são, ambas, manipuladas e aviltadas por aqueles que impõem suas ideologias às sociedades que dominam; 2 — como todas as sociedades estão divididas em classes, castas, etnias, nações, religiões e outras confrontações, é absurdo afirmar a existência de uma só estética que a todos contemple com suas regras, leis e paradigmas: existem muitas estéticas, todas de igual valor, quando têm valor.

***

Quando exercido pelos oprimidos, o Pensamento Sensível é censurado e proibido – eles não têm direito à sua própria criatividade: máquina não cria. Aperta-se um botão... e produz. Podem também ser usados como macaquinhos de realejo em programas de auditório...

***

Rosa Luxemburgo escreveu que o primeiro ato revolucionário é chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes. É verdade! Por que não se quer ouvir a verdade?

***

O Conhecimento acumula; Pensamento é aventura. O Conhecimento traz o passado até o instante presente; o Pensamento, do instante, permite avançar para o futuro ou revisitar o passado.

Conhecer, Conhecimento e Pensamentos são níveis e modos de um mesmo processo psíquico. O Conhecimento não é uma estática estante de livros, depósito: é vivo e pulsativo, memória e esquecimento, acendeapaga. Palavras ao vento não deixam registro, mas intensos prazeres e dores repetidas, sim. Frases reiteradas deixam sua marca. Imagens revisitadas, sua prensa. Sons, ecoam. Conhecimento é Memória ativa. Pensamento é ação.

***

O Belo, que da Estética faz parte, é a organização da realidade, anárquica e aleatória, em formas sensoriais que lhe dão sentido e, a nós, prazer. Belo não é só o que nos alegra e agrada, mas também o que nos assusta e consterna, como a beleza de uma catástrofe natural, como um
tsunami, ou a bomba atômica, que explode em cogumelo.

O feio, antônimo apenas de bonito, pode ser belo. Guernica, de Picasso, é bela obra de arte que nos mostra horrendo crime histórico, feio e trágico, tal como a destruição de Rotterdam, Hiroshima, Nagazaki e outras cidades sem nenhuma importância militar. O Morto, de Cândido Portinari, mostra os terrores da guerra em bela e feia imagem, tinta de sangue; seu famoso Tiradentes esquartejado mostra os horrores do colonialismo. Belos quadros, feios temas. Fotos de Sebastião Salgado mostram,
em rostos e corpos, na pele e nos olhos, na seca e ao sol, o pavor da fome e da aids: belas fotos – angústia e medo.


*Grifos meus. Se quiser o livro/me manda uma mensagem que te envio: tamaracosta@gmail.com.