13.2.02

Vida privada

O que estou fazendo? O que está acontecendo? Estou com uma tosse horrível. Estou fumando muito, sei que é um pigarro mal resolvido. A parte boa de ficar gripada é a hora dos remédios - mel com limão, chá de alho, biotônico, gengibre de canela, hum... Nada melhor do que um cigarrinho depois do xarope. Ultimamente ando fumando uma carteira de Marlboro lights por dia - isso não é propaganda, é repetição, é rotina. Fumo o mesmo cigarro a algum tempo que faço questão de não lembrar a quanto tempo não deixo de fumar. Ninguém vai entender o que quero dizer, na verdade, só... Ouço:

"... e toda vez que eu arranho as minhas unhas nas costas de outra pessoa espero que você sinta..."

A noite foi estranha. Estou estranha. Acordo levemente entusiasmada com a luz do dia, sinto alguma possibilidade se clareando frente à minha - amassada - mão. O dia, o sol, a luz, a rotina, a possibilidade, a janela... No auge da coragem o medo de altura. São os detalhes que fazem a diferença. Sempre, claro que não - odeio essas palavras que parecem julgamentos finais. Por um triz, sim. Nem tudo é sempre ou pra sempre. Mas e um triz? Uma gotinha de adoçante faz diferença e uma vírgula pode mudar o sentido da sentença. Um sorriso com dente ou sem consegue significar tanta coisa... Imagine um desdentado com cara de tarado rindo pra você dentro de um ônibus vazio. Agora, imagine ele chorando com a boca fechada. A gente nunca sabe o que realmente se passa dentro das pessoas.

Não espero nada mais que do que espero sem programação. As coisas fluem e os detalhes não me pertencem - são teus. Me interprete como quiser - é pra você. Não chame o compromisso, deixe que ele venha ou vá embora sem ser ofendido. Não feche a porta.

Deixe o leite do peixe dentro dele
Deite fundo com sede
Foda com essa fossa:
Água em demasia.

Não quero ser repetitiva dizendo que tudo é lindo. Não, não é mesmo. Acho terrivelmente patético quando as pessoas dizem supérflumente, te reconhecem "aparentemente" de algum lugar conhecido. As pessoas se parecem e se repetem...

- Hum, acho que te conheço!
- É mesmo?
- Não consigo assimilar...
- As coisas se encaixam... Prefiro não forçar.

Caras comuns. Caras. Mãos. Cabelos. E o ego ali parado, esperando um grande aplauso entusiasmado. O ego esperando a rima rimar. O ego esperando a poesia. Não! Esse texto é pra você e não quero te mostrar. Mas vai acontecer porque não quero esconder meus detalhes. Perfeitos defeitos do excesso, lembremos:

- Te encontrei no banheiro!
- As coisas se encaixam nos cantos.

(Estava cheia do meio cheio)

- primeira cena privada -

"Ali, em cima daquela mesa suja repousavam farelos de pão e uma jovem família de baratas. Ela colocou seu ego deitado dentro de um pires de porcelana chinesa, fez uma promessa descompromissada e esperou o próximo jantar. Era um ego tão convidativo quanto um chic crepe suíço de morangos banhados em chocolate derretido quando se está nauseando. A partir daquele exato instante, quem tomasse café-com-canela e não se preocupasse com o pires chinês (que parecia paraguaio), sentiria o ego murchar como um pão dormido e francês de padaria portuguesa. O tempo parou e só restaram farelos de palavras cansadas de prometer o improvável. Ninguém mais sentou pra comer na mesa. Só os chatos se importam com pires chineses..."

Vida só. Chego em casa, tranco a porta, abro a geladeira - não tem nada - fecho a porta, entro no quarto e não raro, não saio dali. Entro em lugares desconhecidos e durmo livre de mim. Acesso outros ambientes - acordo porta. Me faço fechada - máscara. Eu, privada solitária. Deito na mesa aparentemente vaga. Entre sem bater, qualquer coisa arrombe a porta...

Que entre o prato de entrada.




:::posted by Tamara Costa

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