1.2.02

Silêncios superficiais - apenas isso


Traiçoeiras, efêmeras, peçonhentas e deliciosas aparências distorcidas. Tosse, pigarro, catarro, silêncio. Pena que você abriu a boca...

Quando me fixo bitolada-a-mente em algo, poucas coisas fixas conseguem satisfazem meus sentidos - minhas fixações não são vistas a olho nu. Sou incapaz de identificá-las num objeto visível - nu.
Meia calça inteiramente rasgada.
Tudo que antes parecia claro e óbvio vai aos poucos afundando, se juntando aos montes. Fixações aparentes - cabelos, tatuagens, pingentes e dedos. Multidões de caras e bocas e pernas e aparências e mesmices e pêlos... isso, a mesma coisa que antes movia tanto sentido, agora - n a d a d i s s o.
Fixação.
Obsessão dedicada.
Meia calça.
Fidelidade.
Nada.

Não era pra ser dito assim. Não queria escrever pensando em pontos e/ou vírgulas. Quando você muda de assunto numa mesma oração; não, o assunto é o mesmo - sinta. Nada é objetivo. Nada disso eu prometi. Não sou nem pretendo ser clara. Não quero me sentir estúpida. Apague a luz.
Meia luz.
Meia calça.
Três por quatro.

- O que está pensando?
- Estou tonta... deve ser a gripe.
- Tem certeza?
- Não tenho... Nada! Não é nada... nada disso.

O silêncio realmente incomoda quando contenho as palavras por saber que não adianta dizer nada quando não há sentimento envolvido; quando não sentimos o assunto é outro. Palavras soltas não fazem sentido em alguns casos tolos. O clima superficial de aparência não passa disso. Faz sentido?

Acordei todas as noites. Hora marcada. Susto ou surto? Insight ou idiotice? Virtual ou real? Sonho ou ... Corri por muitos dias. Pilha de pernas. Furei a fila, invadi o cinema, invadi tua casa - sem porta. Você estava deitada na mesa de centro. Sentei-me no chão. Te vi. Cruzei as pernas e me fixei em teus olhos fechados. Você foi ficando invisível até desaparecer. Por quê logo agora que cheguei? Senti medo por não saber como te fazer voltar. Eu não sabia meditar com medo. Será que pessoas que procuro sempre chegarão antes ou depois da correria?

Desencontro marcado.
Silêncio consentido.
Dores.
Outras realidades.
Verdades que não explico.

Corria de alguma coisa e caí dentro dum buraco, morta ainda viva. A terra e o mato caindo sobre meu corpo imóvel. Pensei em tentar me mover mas não passou disso. Na verdade não saí do buraco porque preferi usar a força do pensamento. Ainda havia muita terra pra cair sobre mim. Esperei a poeira baixar pra agir mas a terra não parava de cair. O pensamento apenas pensava. Então tive medo da incerteza, da terra que não parava de cair sobre mim. Tive medo do silêncio da solidão. Não tenho certeza de nada. Seu corpo era apenas isso.

Três horas da manhã - ópera das cigarras - cigarro.

Não posso ficar de quatro por ou pra você. Não! Cargas pesadas de imagens estupradas por um cio incendido, incontido, impudico, fodido...

- Deixa pra lá, não adianta explicar...

Gozar é fácil quando os papéis e as aparências se multiplicam em sintonia, dando vida aos sentidos desabitados. O hábito pode se tornar um gozo programado ou uma brochada viciada. Fantasiar é não se preocupar, portanto eu poderia morrer de imaginar, rir ou trepar - mas neste caso não dá. Me preocupo com outras banalidades, nada aparentes ou carnais, e não quero me aprofundar. Por isso não vou te encher com histórias complicadas da minha cabeça, por isso quero parecer vazia - mas não estou. E antes que eu me perca, o silêncio também é uma fuga programada. A superficialidade não dialoga.

Me rendo ao silêncio de tua linda boca calada. Não diga nada senão estraga.

- Pode me dizer o que está pensando enquanto me olha?
- Nada...


Tamara Costa

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