29.10.02

DISSOLVO

Vocês não sabem mas eu o conheci e isso mudou tudo, mudou o rumo e assim eu perdi várias palavras em um segundo, perdi tudo e ganhei um mundo lindo, mundo initeligível assim sem palavras serventes, sem retórica ou semente, porque nada brotou mais do nada, nada brotou em mim, tudo partiu disso, vocês todos, escutem porque é isso que me segura e se tem alguém que se importa foi sem querer, foi, então apareceu naqueles dias frios em que um cobertor não adianta nada, um monte de pêlos empalhados, nada, você nada no vento e só quer um corpo em cima do que vem em cima, porque naquele dia começou a fazer um sol estranho e diferente, cheio de purpurina e clichês, um dia cor de rosa e frases sóbrias de imporquês, não, nunca vai ter porquê e sabemos bem disso, que o que se explica não vai ter nunca um sentido único, você me disse de várias maneiras e eu perdi tudo naquela hora, e estou até agora pegando no ar o que foi daquela hora, foi um passado que volta todo dia arrombando as portas com uma flor murcha nas mãos dizendo, volte, volte aqui que tenho algo melhor atrás, então eu olho, oh essa parte é horrenda, eu reviro os olhos e perco a lente e não te vejo mais, miopia, não te vejo até que você volte exatamente no mesmo dia em que chegou e nunca mais, nunca mais foi embora, nem depois que despachei inutilmente o que nem havia pra despachar ou dizer, não não tenho nada a dizer, e continuo dizendo pra vocês o que nem era bem mesmo assim pra ser dito, desse jeito não, desculpe porque tenho medo desse dia incessante, dia que volta e vem sem pedir licença, sem tato ou pele vou flutuando até a porta da minha casa, minha casa, outra que mudei, mudei de casa e de cidade e de tantas outras fases mudei e você nem sabia, nunca soube, ela continua acertando a chave, ela tem a cópia da minha identidade móvel, tem uma parte biológica que está perdida por aí, por ela, dentro dela naquele dia em que o exato momento mostrou a certeza de que haviam coisas perfeitas em alguns instantes, haviam, que maravilha, borboletas insistindo numa dança rítmica de criação e colapso, que até destruiu um pedaço do quarto, insistindo no mesmo movimento de quebrar a cama, ralar os joelhos, doer tudo no dia seguinte com marcas na pele de dois dias sem dormir, com a cabeça de cheia disso tudo. Dissolvo meu último tranqüilizante com a ajuda da caixa d'água da descarga no banheiro do dia seguinte, acordo vomitando

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