28.12.11

Herois da decadênsia (sic)



Filme de Tadeu Jungle, 1987. Com o poeta Roberto Piva e Dom Paulo Evaristo Arns.
via nadjadebreton

26.12.11

Kibbutz Jesuix

São Paulo está me deixando tão pra baixo
Brasília vai me fazer cair o cérebro
E todos deveriam saber sobre
O Kibbutz Jesuix.

Você pode sentir isso?
Eu sei que sim
Está tudo no ar
Não posso viver sob essa pressão por mais tempo
Alguém aí - um amuleto, uma palavra de fé?

Há cães em minhas preces
Crianças na escolas segurando nas grades
Gatos pretos atravessam meu caminho
Será que hoje é meu último dia?

Deus tenha piedade dessa ilha de ilusão
Nós que saímos voltaremos em algum momento?
Eu nao pertenço aqui
Eu nao pertenço alá
vou sempre continuar me guiando
- auto-conhecimento.

Não me diga não
Eu não vou dizer que está tudo bem
Eu e meus broders estamos indo
Eu estive do lado de lá então sei
Eles continuam dizendo -
Pega leve.

Mas aqui só tem problema?
Pega leve.
Lavando a janela?
Pega leve.
Limpando o ouvido?
Pega leve.
Só vê podridão?
Pega leve.
Você diz que sou preguiçosa?
Pega leve.
Só pergunta louca,
putz.

Pra onde estou indo?
O que estou fazendo?
Eu nao sei!
Eu não sei!

Melhor tentar fazer que há de melhor
Vamos lá, aqui
Vamos dizer a eles enfim aonde fica o Kibbutz Jesuix.

(fiz você pensar que estou de onda, diga aí)

Greves e filas
Cotas para negros
Eles tentam dizer que isso é comunitário
- igualdade precária, mes amis.

Participação em rede?
Pega leve.
Reencontros?
Pega leve.
Delicadamente?
Pega leve.
Violentamente?
Pega leve.

Você pode ver?
Você pode sentir?
Eu não sei!
Eu não sei!

Você não precisa ficar por perto
Mas devolva a esperança antes passar ou seguir.

Todo mundo sabe sobre São Paulo
Todo mundo sabe sobre Brasília
& agora eles vão ficar sabendo também sobre o Kibbutz Jesuix.



* Esta é uma releitura rítmica de Mississipi Goddam, em atual contexto e conjuntura, por tudo mais que transita, acende e toca.

* Bárbara, te dedico.

ver também (sobre outros Kibbutz): O Jogo da Amarelinha, pag 241.

23.12.11

pequena galáxia (haroldeana)

entre três tequilas e duas vodkas você me disse sim-sim queria com as mãozinhas de quem se abre ou como se abre um livro de poemas do Buk ou o que você estava escrevendo você não sabe mas aquele poema mudou tudo e você continuava anotando tudo sem parar era um livro assim como me disse que havia algo em vocês ou entre vocês três e que existia algo que precisava ser dito e já escrevia rapidamente para se lembrar sempre do que deveriamos dizer novamente e novamente e que talvez um dia chegasse a ser algo que se aproximasse ou exprimisse ou fosse eu que chegasse na porta da tua casa com um saco de latas você viesse com o fumo e depois falássemos durante horas várias coisas pela boca indo e vindo e mais uma vez o que não falávamos era o dito e você disse que não poderia gastar seu tempo pensando em algo que não fosse prático as contas por exemplo e isso era possível somente para você enquanto conversávamos não pensar no que se ia dizer ou escrever sobre aquilo que era belo por ter estado oculto e não me incomodava não mesmo teu sim para o não-egonada fala mais e fala mais eu confiei o grande livro que ainda não fora traduzido e estava completamente a fim de que você o abrisse e trabalhássemos juntos e dentro e nos envolvêssemos completamente até a palavra única e assim nos tornássemos um feixe e fôssemos o mais dentro possível e lá no encontro dos ossos-luz e enfim dançassemos morte e vida morte e vida girando em círculos até o topo da montanha teu céu ou um calibri apontado para o grande parque que eram nossas cabeças para que desafiássemos a paralisa com espíritos altamente voluntariosos & livres mesmo porque era preciso não ter medo nunca de ser rigorosamente único neste que é teu caminho que atravessa e continua no ritmo dessa transa possível entre uma cabeça-de-anjo e um corpo-mais-que-humanizado e eternamente nu completamente perto e assim te quero caminhando até entrar no primeiro táxi que passar e assim continuar rumo por essas galáxias que são enfim uma grande festa diária que acende e apaga.

lá vai você e eu estou te vendo daqui, enquanto você passa sem me ver.




ver também: além-oriente, abolição da fronteira poesia-prosa & Haroldo de Campos, em absoluto.

22.12.11

A visão de uma passagem

Eles passam por mim, em fila, montados em outros animais
"O que você está esperando?", querem saber

Z-, jovem (& louco por tirar vantagens) me diz
"Um dia você vai largar tudo e se tornar um rishi*, você sabe"

Eu sei
O mato está lá, eu vivi nele
Mais certamente do que nesta cidade? Irrelevante -

O que estou esperando?
uma mudança em nossos hábitos que levará 1000 anos para acontecer?
e quem irá fazer essa mudança senão eu?

"O eterno retorno", diz Amida

E porque esse sonho é tão importante? Acordo em uma casa qualquer sozinho
Com as roupas na mochila, dinheiro ou não
Me levanto em direção ao próximo lugar na estrada que conduzirá à montanha
e ao caminho no qual eu deva voltar

Por qual tipo de negócio eu faria isso?
Conheço este mundo e o amo e é tanto que
sei que não é o único que irei encontrar além desta porta.

Philip Whalen, A Vision of the Bodhisattvas (via poetryfoundation.org) espontaneamente traduzido por Srta T.



**ver também: Valmiki Rishi

5.12.11

A união livre
por André Breton (1931)

Minha mulher com a cabeleira de fogo de lenha
Com pensamentos de relâmpagos de calor
Com a cintura de ampulheta
Minha mulher com a cintura de lontra entre os dentes de tigre
Minha mulher com a boca de emblema e de buquê de estrelas de primeira grandeza
Com dentes de rastros de rato branco sobre a terra branca
Com a língua de âmbar e de vidro friccionado
Minha mulher com a língua de hóstia apunhalada
Com a língua de boneca que abre e fecha os olhos
Com a língua de pedra inacreditável
Minha mulher com cílios de lápis de cor das crianças
Com sobrancelhas de borda de ninho de andorinha
Minha mulher com têmporas de ardósia de teto de estufa
E de vapor nos vidros
Minha mulher com ombros de champanhe
E de fonte com cabeças de golfinhos sob o gelo
Minha mulher com pulsos de palitos de fósforo
Minha mulher com dedos de acaso e de ás de copas
Com dedos de feno ceifado
Minha mulher com as axilas de marta e de faia
De noite de São João
De ligustro e de ninho de carás
Com braços de espuma de mar e de eclusa
E de mistura do trigo e do moinho
Minha mulher com pernas de foguete
Com movimentos de relojoaria e desespero
Minha mulher com panturrilhas de polpa de sabugueiro
Minha mulher com pés de iniciais
Com pés de molhos de chaves com pés de calafates que bebem
Minha mulher com pescoço de cevada perolada
Minha mulher com a garganta de Vale d’Ouro
De encontro no próprio leito da correnteza
Com os seios de noite
Minha mulher com os seios de toupeira marinha
Minha mulher com os seios de crisol de rubis
Com os seios de espectro da rosa sob o orvalho
Minha mulher com o ventre do desdobrar-se do leque dos dias
Com o ventre de garra gigante
Minha mulher com o dorso de pássaro que foge vertical
Com o dorso de mercúrio
Com o dorso de luz
Com a nuca de pedra rolada e de giz molhado
E de queda de um copo do qual se acaba de beber
Minha mulher com os quadris de escaler
Com as ancas de lustre e de penas de flecha
E de caule de plumas de pavão branco
De balança insensível
Minha mulher com nádegas de arenito e de amianto
Minha mulher com nádegas de dorso de cisne
Minha mulher com nádegas de primavera
Com sexo de lírio roxo
Minha mulher com o sexo de jazida de ouro e de ornitorrinco
Minha mulher com o sexo de algas e de bombons antigos
Minha mulher com o sexo de espelho
Minha mulher com olhos cheios de lágrimas
Com olhos de panóplia violeta e de agulha magnetizada
Minha mulher com olhos de savana
Minha mulher com olhos d’água para beber na prisão
Minha mulher com olhos de lenha sempre sob o machado
Com olhos de nível d’água de nível do ar de terra e de fogo.


Poema traduzido por Priscila Manhães e Carlos Eduardo Ortolan, 2008 - tradução alterada por Claudio Willer *.

*Willer é tradutor, poeta, crítico e ensaísta, tradutor, um homem-girassol, grande mestre. Com seus textos, e particularmente na oficina de criação poética e literatura erótica tem nos mostrado alguns transes-trânsitos possíveis - encontro de contradições, entre outros temas recalcados pela historiografia: erótico e sagrado, ioga e imortalidade, a cara & o cu, produção erótico-religiosa, a iconografia tântrica dos casais divinos, maituna, heresias e espíritos livres, simbolistas e parnasianos, ritos e sociedades secretas, o arco e a lira, a cabala e Eros, monges ningmas e a cópula sagrada, a confluência do êxtase religioso e místico, missas negras...

"Será preciso admitir que os poetas sorvem, sem o saber, em um fundo comum a todos os homens, singular pântano cheio de vida onde fermentam e se recompõem sem parar os destroços e os restos das cosmogonias antigas, sem que os progressos da ciência lhes provoquem uma mudança apreciável?". André Breton, La Clé des Champs, in Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e a poesia moderna *.

Atenção não tremer:
é preciso penetrar no bosque dos símbolos
agredir o princípio lógico da realidade
alcançar o corpo impossível -
o mundo é um mapa do grande universo.

ver também:
André Breton, 40 anos depois: o crítico literário *