5.12.11

A união livre
por André Breton (1931)

Minha mulher com a cabeleira de fogo de lenha
Com pensamentos de relâmpagos de calor
Com a cintura de ampulheta
Minha mulher com a cintura de lontra entre os dentes de tigre
Minha mulher com a boca de emblema e de buquê de estrelas de primeira grandeza
Com dentes de rastros de rato branco sobre a terra branca
Com a língua de âmbar e de vidro friccionado
Minha mulher com a língua de hóstia apunhalada
Com a língua de boneca que abre e fecha os olhos
Com a língua de pedra inacreditável
Minha mulher com cílios de lápis de cor das crianças
Com sobrancelhas de borda de ninho de andorinha
Minha mulher com têmporas de ardósia de teto de estufa
E de vapor nos vidros
Minha mulher com ombros de champanhe
E de fonte com cabeças de golfinhos sob o gelo
Minha mulher com pulsos de palitos de fósforo
Minha mulher com dedos de acaso e de ás de copas
Com dedos de feno ceifado
Minha mulher com as axilas de marta e de faia
De noite de São João
De ligustro e de ninho de carás
Com braços de espuma de mar e de eclusa
E de mistura do trigo e do moinho
Minha mulher com pernas de foguete
Com movimentos de relojoaria e desespero
Minha mulher com panturrilhas de polpa de sabugueiro
Minha mulher com pés de iniciais
Com pés de molhos de chaves com pés de calafates que bebem
Minha mulher com pescoço de cevada perolada
Minha mulher com a garganta de Vale d’Ouro
De encontro no próprio leito da correnteza
Com os seios de noite
Minha mulher com os seios de toupeira marinha
Minha mulher com os seios de crisol de rubis
Com os seios de espectro da rosa sob o orvalho
Minha mulher com o ventre do desdobrar-se do leque dos dias
Com o ventre de garra gigante
Minha mulher com o dorso de pássaro que foge vertical
Com o dorso de mercúrio
Com o dorso de luz
Com a nuca de pedra rolada e de giz molhado
E de queda de um copo do qual se acaba de beber
Minha mulher com os quadris de escaler
Com as ancas de lustre e de penas de flecha
E de caule de plumas de pavão branco
De balança insensível
Minha mulher com nádegas de arenito e de amianto
Minha mulher com nádegas de dorso de cisne
Minha mulher com nádegas de primavera
Com sexo de lírio roxo
Minha mulher com o sexo de jazida de ouro e de ornitorrinco
Minha mulher com o sexo de algas e de bombons antigos
Minha mulher com o sexo de espelho
Minha mulher com olhos cheios de lágrimas
Com olhos de panóplia violeta e de agulha magnetizada
Minha mulher com olhos de savana
Minha mulher com olhos d’água para beber na prisão
Minha mulher com olhos de lenha sempre sob o machado
Com olhos de nível d’água de nível do ar de terra e de fogo.


Poema traduzido por Priscila Manhães e Carlos Eduardo Ortolan, 2008 - tradução alterada por Claudio Willer *.

*Willer é tradutor, poeta, crítico e ensaísta, tradutor, um homem-girassol, grande mestre. Com seus textos, e particularmente na oficina de criação poética e literatura erótica tem nos mostrado alguns transes-trânsitos possíveis - encontro de contradições, entre outros temas recalcados pela historiografia: erótico e sagrado, ioga e imortalidade, a cara & o cu, produção erótico-religiosa, a iconografia tântrica dos casais divinos, maituna, heresias e espíritos livres, simbolistas e parnasianos, ritos e sociedades secretas, o arco e a lira, a cabala e Eros, monges ningmas e a cópula sagrada, a confluência do êxtase religioso e místico, missas negras...

"Será preciso admitir que os poetas sorvem, sem o saber, em um fundo comum a todos os homens, singular pântano cheio de vida onde fermentam e se recompõem sem parar os destroços e os restos das cosmogonias antigas, sem que os progressos da ciência lhes provoquem uma mudança apreciável?". André Breton, La Clé des Champs, in Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e a poesia moderna *.

Atenção não tremer:
é preciso penetrar no bosque dos símbolos
agredir o princípio lógico da realidade
alcançar o corpo impossível -
o mundo é um mapa do grande universo.

ver também:
André Breton, 40 anos depois: o crítico literário *

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