1.3.12

Corpo sombrio: o sentido da escritura

Entreguei minha alma ao gavião espírito
depois de três meses ou séculos
já não me lembro mais:
me bicava o cérebro e
os desenhos e diálogos eram incessantes -
eram mais.

Cantei novamente um corpo sombrio. O sentido da escritura é a repetição:

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

trecho do poema No caminho com Maiakóvski,de Eduardo Alves da Costa.

Escrito na década de 60 e marcado por um claro sentimento de revolta, o poema "No caminho com Maiakóvski", do poeta fluminense Eduardo Alves da Costa, se transformou em um hino contra a violência e intolerância da ditadura militar no Brasil.

Por tanto repetido, os créditos ainda são confundidos. O trecho [em negrito] não raro é atribuído ao poeta russo Vladmir Maiakóvski. Para outros, o verdadeiro autor era do alemão Bertold Brecht. "O trecho costumava, durante os anos de chumbo, acompanhar cartazes de rua, ilustrações de revistas, faixas de passeatas, quase sempre associado ao poeta russo ou ao dramaturgo alemão", segundo elucidação do professor Adílson Citelli (ECA/USP).

da face significada
"O conceito de escritura excede e compreende de linguagem para uma definição que inclui a de linguagem e da escritura. Já há algum tempo diz-se linguagem por ação, movimento, pensamento, reflexão, consciência, inconsciente, experiência, afetividade etc. Há, agora, a tendência a designar por escritura tudo isso e mais alguma coisa: não apenas os gestos da inscrição literal, pictográfica ou ideográfica, mas também a totalidade do que a possibilita; e a seguir, além da face significante, até mesmo a face significada", Jacques Derrida (adaptado), Gramatologia, 1973.

do poema agora
Cântico autônomo e atemporal.
O que foi escrito às custas do sangue das últimas encarnações não deve ser esquecido - jamais.
Escrever então não seria senão;e repetir re-incorporar sem perder a significação.
O diálogo poético é surpreendente, imortal, excêntrica e valiosa ferramenta para o retorno do maravilhoso.
Que poeta visite espontaneamente visite seus mortos e através de sua leitura e mãos exercite intertextualidade sobre todo o corpus poético antes visitado.


ver também:

Sermão em tempos nazistas de Martin Niemöller, pastor luterano alemão (1933)
"Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar." Trecho traduzido retirado do artigo [Sobre o poema "No Caminho com Maiakóvski", Jornal de Poesia]

Animação Rodrigo Jolee:

Um comentário:

vendedor de ilusão disse...

Parabéns pelo blog; convido-lhe visitar e seguir o meu.