26.7.10

Ponta Negra (black sessions)

vejo a praia, vejo o mar, vejo as menininhas e os gringos. eu aqui perdida nessa tempestade de areia - nem me vejo mais. contemplo e venho a considerar esse exagero um chamado. vem, se aproxima. vou na onda. volto na onda. a onda me tira de lá. estou na presença dos deuses, ao passo que cheiro minha mão - protetor solar. você, sempre você meu cavalinho me animando a mente - como um livro de cortázar. eles vêm de onde? aposto que frança. usam tênis para tomar sol. elas vem de onde? daqui mesmo. elas querem dinheiro. deve ser muito difícil a vida por aqui fora de temporada. deve ser foda. imagina, o mar indo e vindo e você lá. cadê os restaurantes? as casas de câmbio? os vendedores de pulseiras e lamparinas? somente os monstrinhos do calor, onde você pisa. a menininha passa creminho no pé do gringo. ele ri e devolve um óculos de sol. arregala que tem regalo. devo pensar no movimento. essa coisa de avançar, que tal? avançar, da areia pra o concreto, do concreto para cima das casas. das casas, subo o morro e vou invadindo. meu nome é mar. mulas geradas no atarefar diário, essa coisa de repetir e repetir e achar que vale um prêmio (regalo, regalo) ainda vai nos enterrar vivos. talvez aqui seja mais fácil. essa coisa de Brasil chegando tem algo de black sessions. tem algo em mim que diz não Brasil, se foda. tem um cara passando com um carrinho de pranchas. vai chover e lá vem o tubo. fui.

14.7.10

a casa diante do mundo

“Faz, no começo, muitas coisas; e, em seguida, abandona tudo. Não faz rigorosamente nada. Acompanha o tempo e sobretudo as estações (diário!)”., Albert Camus, in A morte feliz

5.7.10

mi individualidad

"Minha mãe quis que eu fosse bailarina. Eu não queria..." Hilda Hilst

Depois quis que eu fosse dançarina. Eu não queria. Meu pai queria que eu fosse pianista. Eu não queria. Depois, que eu lesse em voz alta a bíblia. Eu não queria, santo deus. Queria também que eu chegasse na hora marcada, que eu fosse generosa, que eu não bebesse, não saísse e não tivesse namorado antes dos dezoito. Eu só queria desenhar algumas coisas. Pregava os desenhos – folhas A4 – na parede do quarto, ao lado da cama ou embaixo - o diabo. Queria também desenho impresso no corpo - tatuagem.

Minha mãe quis que eu fosse psicóloga. Eu não queria. Vendi meu teclado e comprei um violão, musicoterapia. A essas horas meu pai já não queria mais nada, estava morto e sepultado. Era um cara que parecia mais feliz morto, pelo menos para mim. Meu pai queria ter ido para um mosteiro. Eu não quis acreditar que seu maior sonho era se ver livre de mim (nós) e passar o resto de sua existência entoando mantras e vivendo em puro silêncio, ou algo que se assemelhasse.

Eu quis entender porque ele queria aquelas coisas tão absurdas. Quis ler os livros dele. Depois, quis ser outra pessoa – quis ser alguém que sabia como percorrer as dimensões da alma, dos territórios, de todos os corpos. Minha mãe quis que eu ficasse em casa. Estrapolei as dimensões, rasguei a página e me virei do avesso até não me reconhecer mais no espelho. Raspei a cabeça, fiz o santo ou então o incorporei. Depois ela quis que eu me curasse, que tomasse remédio e ficasse bem, ou melhor, me adaptasse. Eu só queria escrever algumas coisas.

E então eu usava umas sapatilhas, não porque fosse bailarina, mas porque meus pés eram diferentes dos outros. Eu também não usava mais óculos, mesmo com mais de nove graus. E então eu me perguntava. O que você quer ser quando crescer? Eu não queria. Crescer era ter que vender minhas horas. As horas que me serviam para escrever alguma coisa. Eu precisava escrever alguma Koisa, eu devia.

Trechos usurpados do do Hilda Hilst - 4 min.

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