17.2.03

Aviões
camada-de-proteção
contra os não-voantes
lá fora tudo normal
aqui dentro escuro
da cápsula
um casulo
avião
eu vi
depois
um cachorro
que se transtornava
num homem-bombado
e depois da mordida
o mundo estava pintado
os homens com muita pinta
e o homem-cão
está por aí
entre os desconhecidos
daquela noite no parque
no disco
giratório
com um copo de suco na mão
pra dançar
sem deixar cair
o líquido-pouco.




7.2.03

"Todo compositor brasileiro é um complexado
por que então esta mania danada
esta preocupação de falar tão sério de sorri tão sério de brincar tão sério de parecer tão sério de amar tão sério de sorrir tão sério
ah meu deus do céu vai ser sério assim no inferno."

Tom Zé

Vamos, e quase - paro. Isso dói e arde dentro como se o que tivesse lá fosse substância que não se exprime. Espreme. Pra fora. Expurga. Extra-vasa. O que for que haja - há tristeza e filmes semelhantes passando bem em frente - estou - fazendo com que a miséria interna faça-se matéria para seu primeiro livro. Por vezes desisto e é tudo que resta. As sobras. Já não mais do resto e estou falando de lá, do negócio de tristeza, de dentro e fora pra-vai-indo já são mais de oito horas e não há mais que oito horas a mais ocupando o raio que foi bater aquele carro de ré, não sei dirigir e foi pra trás, não havia freio nem parceiro nem brasil. Havia um som que não freiava mais de tanto cansaço de viver, mas não há porque desistir, e mais: o meu amor vai pra onde for que tiver, meu amor te levo pra bem perto e seja o que, seja o que deus enquanto quiser, digo. Pois bem, acho que já estamos cansados das paranóias e dos chás diuréticos. Estamos fartos da fartura de carnes sujas e brotos de feijão secos. Tudo é triste e as pessoas são cruéis. Ergo a bandeira pra você. Branca pra você. E também uma vermelha. Estava debaixo da cama com alguns objetos e pronta para um teatro absurdo-oprimente. Vamos imitar e não mais dividir essa coisa de colocar o bonzinho prum lado e o malzinho do outro fazendo malfeitorias, fodendo com tudo e rindo. É assim, desse lado estava me sentindo (do vermelho) então coloquei outro personagem pra confundir e dizer que tudo não passa de uma farsa enorme e cansada. Tudo se repete e nada disso serve pra nada. As crianças ficaram sérias. Acabou a graça. Acabou, vamos arrumar essa bagunça que foi inválida. Cansei de provar, cansei. É tudo mentira. Ergo a bandeira que já vai batendo na coluna amarela, amassando o carro enquanto eu tentava freiar mas já era tarde, as vezes tomam vida própria, não há direção, então o carro entrou com tudo debaixo da cama, onde havia um mosquito mortinho-mortinho até hoje não joguei o tirei de lá, ele não reintegrou dentro de um apartamento. Mesmo que soubesse que era - Impossível. Tentei e caí estrada a fora pra voltar ao ponto. De partida. Não dá pra renascer entre o concreto, o asfalto, o assalto, pé fora já vamos atropelando rápido indo embora. Já, perdeu a graça e acabou. Acabou.

3.2.03

Pregos
Sol de dia e de noite uma luz clareia de cima a superfície. O apartamento quatrocentos e quatro faz um barulho estranho e solta um pim no chão que ecoa aqui em baixo junto com a música rapidinha da rádio-bossa fazendo laguchigumlum pam-pam, numa pausa rítmica que vai do ponto em que a voz se cala e solta um pá-pá que soa bem pra cara-ra, vamos lá-lá. Dando notas voadoras aqui em-baixo. Ninguém lá do de-baixo escuta o pa-pá porque é tão suave que nem o prego de cima pode acabar com a graça do pá-pá do terceiro andar. Dá até pra fazer de fininho sem que ninguém escute, só que depois das três os pregos mais concentrados tem cabeça e ouvidos machucados e a mínima respiração pode acordar os tratores submetidos do térreo. Mas dá pra gritar sem ofender o que não dá mais pra escutar. Ninguém precisa se ocultar - só o Lombardi.