30.10.09

MEMÓRIAS ou TRISTES PUTAS, REDONDAMENTE PUTAS

A puta cai do céu direto na mesma ponte onde hoje tento suicídio, no Sena, em Paris. O nome dela: Ângela. Eu aqui (imigrante árabe) tentando morrer com dignidade afogado num museu a céu aberto. E do céu me cai essa loira num micro-preto e salto-agulha. Grace, Ângela, ou o anticristo (ver também Lars Von Trier). Já nem me lembro mais seu nome. Pulo contigo - ou pulo, porque pulastes antes. Pulo porque não me deixastes escolha. Talvez seja um sonho.



Isto não é um caximbo, de René Magritte


Somente um devaneio? Te digo, quanto tenho alucinações do deste tipo, não acordo muito bem. Fico semanas remoendo o gosto de sangue do vestido. Ou seria o gosto do esmagamento das pedras? Je ne sais pas.

* Lembrar que puta pode ser aquela que te leva o pagamento do mês em menos de três minutos - ou uma semana, aí do cartão-de-crédito, calcule.

9.10.09

medidas permanentes de como saciar a sede
ou a fome
inerentes
desde sempre
a chama esteve acesa
para que depois compreendessem (mentira)
coração e adultério
- só mais um capricho dessa sumptuosa víscera.

com tamanha histeria pela
resposta -
vício ou neurose?
lembro-me
desde o primeiro não
(ainda assim vinha-se o sim tomado a força)
que era preciso não querer
nunca - crivo.

passados anos-fogueira
ou depois de todos os sim(s) consentidos
aqui se instala:
o arrebatamento e a desmesura
d'ela.

“No son temibles las normas, sólo aquellos que se las creen...” ao ver também Valérie Tasso

5.10.09

4.10.09

Alfonsina y el mar

Escrevo porque sinto raiva de vocês. Todos. Escrevo para me aliviar. Talvez um dia eu entenda porque eu escrevo. Ou porque sinto tanta raiva de vocês. Todos. Vocês me acotovelam nas ruas. E então, Alfonsina, escrever deveria bastar? Acendo um cigarro.

Talvez o mundo me tenha sido apresentado quando vi os olhinhos de Alejandro. Pupilas quase impedidas de conviver com a luz. Muita luz, meu pequeno, durma, durma. Também preciso dormir um pouco mais, pequeno. Encontrei Frederico Garcia Loca em 1933 (ou seria 1934?), no Café Tortoni. Me disse que viu a morte numa dessas festas de casamento banhadas a sangue. Se arrebatou. Escreveu Bodas de Sangue. Pura tragédia. Puro Eros e Thanatos, isso de não conseguir aniquilar as pulsões - toda aquela necessidade de ser livre. Primordialmente livre. Nada mais trágico. A morte travestida de mendiga. Tumor de plexo.

NOTA
Alfonsina Storni enviou o soneto "Voy a dormir" ao jornal argentino La Nacion, três dias antes de seu suicídio. Na madrugada de 25 de outubro de 1938, aos 46 anos, depois de ditar uma carta para seu filho, caminhou para o mar sob uma tempestade. Pela manhã, seu corpo foi encontrado na praia.


VOY A DORMIR

"Dientes de flores, cofia de rocio,
manos de hierbas, tú, nodriza fina,
tenme prestas las sábanas terrosas
y el edredón de musgos encardados.

Voy a dormir, nodríza mía, acuéstame.
Ponme una lámpara a la cabecera;
una constelacíón; la que te guste;
todas son buenas; bájala un poquito.
Dejame sola: oyes romper los brotes...
te acuna un pie celeste desde arriba
y un pájaro te traza unos compases
para que olvides... Gracias.

Ah, un encargo:
si él llama nuevamente por teléfono
le dices que no insista, que he salido..."


Ver também: Argentina llora la muerte de Mercedes Sosa

2.10.09

dos jogos

da recuperação do choro-primeiro,
de salva logo então,
eu-mínima, polegar
alavancando os braços
tão engraçadinhos pequenos
cheios de não deixe tudo tão sério e nem que o sério leve tudo
[não deixe que te levem os bebês]
- a regra do jogo consiste basicamente em
não olhar para trás.

então deitamo-nos,
todos no chão
- incumbidos da tarefa de esquecer
[acesso remoto: risadas são códigos, insisto]

instruções:
esquecer a voz da amada
lembranças são marcas
cicatrizes
conte até vinte
faça um pedido
depois mantrifique.

do outro lado:
a voz do comando no comando
dá boas vindas
à festa da caça.

[e quem olhasse
rente ou através
logo estaria fora]
os curiosos pagarão com os olhos
os resistentes com a entrega -
anexar em regras.

e depois
de desligadas luzes
cinema de graça
[continuar olhando para frente]
- tá, pode piscar
[piscar pode ser entrega
ou
engolir a saliva]

as luzes se acenderão
e ouviremos música
sem resistir
ou perguntar
[aquele cílio colado no polegar]

mantenedor de fascínios
em serena expectativa
vemos as chaves se dissiparem
como palavras escritas a mão
no ar.


"Agora que estou sem Deus posso me coçar com mais tranqüilidade”.

Hilda Hilst, in Qadós