20.5.05

Deslizantes

por Tamara Costa

(aos que descem)

... o novelo, o caracol, a minhoca e o piolho de cobra.

entrei naquele carro recém-chegado. entrei no bar. entrei na onda. e desci pela escada-curta onde uma só pessoa cabia (descendo ou subindo). ao mesmo tempo passamos. eu descida, tu subida. ninguém soube esperar e a escada era pequena demais pra nós dois. fez um barulho de quebra, uma falha falhando no ponto em que nós nos encontrávamos. territórios possíveis de nós. a falha, a escada, os contras, contrários. descida, o rumo de mim cedendo. tu subindo, forte, músculos e resistência.

Não cedias nem à atmosférica.
(entre outras pressões ? filhos ? casa ? manteiga para o pão ? compromisso ? estadias ? status ? propriedade)
Tudo terreno.
Tu, domínio.

desci outras vezes ? lugares intocáveis, colunas de escuro, cheiros estranhos, até quase ao encontro das baratas. dessas pouco sabes porque me perguntaria o por quê. desci, se é que tem que ter porquê. a mania do macho, porquê, disciplina, porquê. rápido e ferozmente, tudo que é bicho será domesticado, vamos enfiá-los porquês longos e gordos para serem melhor comidos, digeridos e aceitados.

Um filé de porquê ao molho branco.
Fome de brancura e suavidade.
Sua carne desejando porquês puros, em nada inventados como os meus;
Mestiços porquês.

também, agora um porquê-um-pouco-magro, reclamavas acorrentado, das enrolas que fazes até questão de que eu faça parte, mais uma possível, sei. também que continuo a descer, descendo pra cima, descendo pros lados, descendo, decaindo, ao passo que se o elevador não passa da garagem, de lá passei quando ainda tinha pés delicados, mãos cuidadosas, porquês limpinhos e fino-trato. que fique bem claro, o estado é de negruras, quase-óleo, mofo, úmido. acontece que depois que a gente desce, as possibilidades de retorno são aterradas. então, continua descendo, e cada vez que, por algum motivo, a ação parar, temos a sensação de que algo acima poderá cair, pássaros ou pedras, por exemplo. voltar a subir ? tarefa pesada. voltar à superfície-primeira, digo. é possível que eu-desça antes que a terra me caia por cima. antes que me compreenda. antes que dê com a cara da terra ? ou merda. eu,

Pássaro Negroóleoso voando gozoso pelas superfícies internas.
O céu ao contrário: cascalho, húmus, raízes, restos, ossos, óleo,
fino-fundo.








www.paralelos.org/out03/000688.html

Um comentário:

Anônimo disse...

meu tamaturdez , como isso é bon!