20.4.10

Manifesto aos criadores (Alan Moore)




A Manifest for Creators, foi escrito por Alan Moore, e publicado originalmente numa antiga revista (80’s), intitulada THE COMICS JOURNAL. As publicação foi acessada página de José Carlos Neves (www.alanmoore.com.br). O impresso foi aqui livremente traduzido por Tamara Costa. Enjoy it!


O objetivo deste “criativo manifesto” é tentar definir mais claramente as regras do meio que habitamos, além de deixar claro o que entendemos por direitos e obrigações de todos os envolvidos.

Acreditamos que sem a participação ativa das pessoas criativas em determinação ao curso deste meio, estamos em perigo de se tornar tão responsáveis quanto redundantes, como as outras medias (TV, FILMES, NOVELAS) que estão criando-procriando e dimensionado as criações a partir de negócios.

Através de nossos esforços para manter os negócios, esses que deixam o lado criativo em segundo plano, esperamos criar um ambiente onde possamos combinar a “visão individual de realização” com a “arte massificada”, que é, por conseguinte, qualidade do mercado do entretenimento das massas.

Enquanto definimos as regras, somos seduzidos a redefinir também os termos tradicionais, tais como: autor, distribuidor, editor, e assim por diante.

Também acreditamos que em nosso meio a coerção (repressão) não tem lugar; como também ela é inaceitável em qualquer direção. Nós iremos criar e publicar e distribuir de acordo com o espírito e esforços voluntários.
Existem quatro partes essenciais para nosso mercado: o TRABALHO, a FONTE/fontes de informação, os meios/RECURSOS o PÚBLICO/audiência.

O nítido resultado da criatividade é o TRABALHO.
A origem do TRABALHO é a FONTE da informação.
O TRABALHO se move da fonte para o público por meio dos RECURSOS.
Aqueles que compram e/ou lêem o TRABALHO, através dos por meio de recursos, são A AUDIÊNCIA/PÚBLICO.

Nós começamos com o autor.
Só então o trabalho é criado.
Depois que o trabalho é criado, ele é impresso.
Após a impressão vem a distribuição do trabalho.
Finalmente o trabalho é comprado e com sorte e esperança – lido.

I) A FONTE
A FONTE é onde o TRABALHO se origina: é o AUTOR do TRABALHO.

Acreditamos que o compromisso da FONTE é, primeiramente, com seu trabalho, e isso é necessário assegurar, com criatividade e segurança, que as medidas necessárias ao trabalho do autor estão sob seu único e exclusivo controle.

Preço, formato, paginação, tiragem, design, conteúdo, a presença ou ausência de publicidade, e a assistência dada (dentro dos limites de nossas leis), devem ser resolvidas somente com a autorização da FONTE.

Voluntariamente, apoiamos uns aos outros para assegurar um futuro seguro para nós e para que nosso trabalho se realize dentro dos limites de nossos recursos individuais.

Acreditamos no envolvimento positivo entre AUTORES e EDITORES, com o máximo controle e autonomia entre ambos, e também levamos em consideração a absoluta liberdade para todos os AUTORES, seguidos de absoluta liberdade de publicação para os EDITORES.

Para facilitar isso, um protocolo ou código de comportamento para interação entre AUTORES e EDITORES deve ser estabelecido.

O AUTOR deve criar independente do que ele quer, e publicar, com autonomia, da forma que ele acha apropriado.

O EDITOR deve publicar ou não publicar, independente do que ele acha apropriado.
Presume-se que o AUTOR está oferecendo seu trabalho para publicação de forma integral e não sujeita a alteração. O EDITOR é livre para aceitar ou rejeitar um trabalho que segue esses princípios básicos.

Se o editor achar que não pode publicar o trabalho de um AUTOR devido ao conteúdo ofensivo, ou legalmente suspeito, ele não é obrigado a fazê-lo. Caso o EDITOR rejeite o TRABALHO, o AUTOR é livre para mostrá-lo a outro EDITOR que esteja interessado na publicação; ou, caso ele prefira, que seja possível necogiar as mudanças que o EDITOR considera necessárias para a publicação do TRABALHO. Em qualquer ponto da negociação, qualquer uma das duas partes tem o direito de declarar algum impasse/obstáculo e suspender todas as negociações, sem que isso cause prejuízo ou repercussão. O EDITOR deve tentar ajudar o AUTOR ao máximo possível, financeiramente, tecnicamente, etc, e apoiar os esforços do AUTOR para que ele consiga publicar, por ele mesmo, assim como faz o EDITOR. A extensão da referida ajuda deve estar a critério exclusivo do EDITOR.

No caso dessa situação ocorrer durante a execução do trabalho, EDITOR e AUTOR devem, no melhor cenário, concordar que a edição em questão deve ser publicada pelo AUTOR. Em contrapartida a edição seguinte, e as sucessivas, devem ser outra vez publicadas pelo EDITOR sem recriminações de ambas as partes.


II) O TRABALHO
O TRABALHO será definido de três maneiras:

1) PERIÓDICOS
a) Número de obras
b) Uma tiragem, incluindo séries limitadas e trabalhos intervalados

2) TRABALHOS ESSENCIAIS
a) Novos livros
b) Novas tiragens

3) TRABALHOS DIVERSOS
a) Portfólios, impressões, etc
b) Merchandising

É dado a cada AUTOR/EDITOR todos os requisitos necessários e o direito alienável de determinar a melhor forma de vender - ou não - seu trabalho. Nenhuma regra e nenhuma das alternativas mencionadas aqui são aleatórias. Deve se atentar para o como os trabalhos vendidos - a quem quer que seja. Tudo isso é necessário para conduzir nossos negócios com honra e honestidade.

1) PERIÓDICOS
a) Número de trabalhos: a primeira ligação dos envolvimentos indiretos com a venda é a mais recente revista/periódico que está em andamento. Nos comprometemos em dar o máximo de nossa capacidade para o cumprimento das metas dentro do período requerido, levando em consideração as limitações artísticas e os possíveis atrasos do autor. Presume-se que os distribuidores e as lojas nos informarão sobre as quantidades serem encomendadas. Os distribuidores e lojas devem ser mantidos a par das mudanças nas projeções de envio previsto e serem habilitados para modificar o ordenamento, sem prejudicar ou repercutir, dessas mudanças de envio, num período de, no máximo, 30dias.

b) Uma tiragem (incluindo séries limitadas de quatro edições ou menos) e trabalhos ocasionais: no caso de uma tiragem única, séries limitada e trabalhos intermitentes, os distribuidores e lojas devem notificar, com antecedência, para que seja possível encomendar esses trabalhos dentro de um tempo razoável.

2) TRABALHOS ESSENCIAIS:
(Nota: vemos esses trabalhos com prazo de validade permanente, sempre disposição e nas prateleiras, e, no geral, não são tratados como obras periódicas)

a) Novos livros, ou trabalhos não previamente publicados, devem devem ter data de envio constante determinada pelo autor/autores ou pela pessoa responsável pelaantologia. Todos os meios devem ser apropriados/adequados para manter o trabalho impresso e disponível.

b) Volumes re-impressos, sendo todo e qualquer trabalho anteriormente publicado em prestações devem ter uma data de lançamento anunciada de acordo com o critério dos autores ou das pessoas responsáveis pela antologia.

3) TRABALHOS VARIADOS
(Nota: como os trabalhos essenciais, vemos esses trabalhos como tendo vida permanente, sempre vistos nas prateleiras, geralmente não são tradados como trabalhos periódicos)

a) Impressões, portfólios, assinaturas e número limitados de edições e posters relacionados ou não relacionados acima, devem ser vendidos em quantidade e preços que devem estar a critério do autor/autores envolvido.
b) Merchandising: Todo comércio, incluindo brinquedos, jogos, puzzles, figurinhas, bottons, produtos alimentícios e bugigangas em geral devem ser licenciadas pelo autor ou proprietário, e devem ser sempre oferecidos ao máximo de distribuidores e lojas possíveis.

No que diz respeito a todos os itens anteriores, deixamos registrados que todos os trabalhos sob venda indireta devem estar em conformidade com esses princípios (liberados) por três ou quatro meses. Por outro lado, vendas diretas a preços de varejo para pessoas comuns devem ser feitas a critério do autor/editor.

III) OS MEIOS
Os meios são uma combinação entre PUBLICAÇÃO, IMPRESSÃO E DISTRIBUIÇÃO.

1) PUBICAÇÕES AUTÔNOMAS: o AUTOR que faz os tratamentos para impressão e distribuição de seu trabalho é considerado um editor autônomo.

2) PUBLICAÇÕES TRADICOINAIS: a pessoa, ou grupo de pessoas, (não necessariamente os autores), responsável pela organização da impressão e distribuição do trabalho do autor é um editor tradicional.

3) EDITOR CHEFE: a pessoa, ou grupo de pessoas, (não necessariamente os autores) é que possui ou controla os direitos autorais do trabalho, e quem responsável pela criação da arte do trabalho e história, impressão e distribuição do trabalho é um EDITOR-CHEFE.

Imprimir é uma técnica que utiliza tinta, papel e impressoras para criar múltiplas cópias do trabalho. Existem dois tipos básicos de distribuição:

1) VENDA DIRETA: venda da FONTE ao leitor/consumidor.
2) VENDAS INDIRETAS
a) Lojas de venda: vendas da fonte a loja, e em seguida chega ao leitor/consumidor.
b) Pontos de distribuição: vendas da fonte para o distribuidor, depois para a loja e só assim chega ao leitor/consumidor.

Nós concordamos em dividir uns com os outros toda e qualquer informação que temos sobre esses e todos os meios adicionais, além de escolher os balanços adequados de todos os MEIOS mais apropriados para divulgação de nosso trabalho.

Nós concordamos em monitorar as condições indiretas de venda mercadológica e encorajamos os distribuidores e lojas a manter contato com a comunidade de editores autônomos. Concordamos em reconhecer, as comunicações que exigem reconhecimento (lojas e distribuidoras) com até 48h após o recebimento da referida comunicação. Desentendimentos podem devem ser evitados.

Para nosso benefício mútuo, encorajamos e concordamos em prestar uma análise cuidadosa pa qualquer pessoa que participe dos MEIOS, onde essas idéias serão úteis para auxiliar a transferência do TRABALHO para a audiência.

Contribuições: Stephen Bissette, Kevin Eastman, Dave Gibbons, Peter Leird, Frank Miller, Alan Moore, Stephen Murphy, Dave Sim, John Totleben, Rick Veitch, Michael Zulli.



 *Este post é dedicado a Carlitus, o sri-HQ do Planalto

6.4.10

O Pesa Nervos

de Antonin Artaud

O difícil é encontrar de fato o seu lugar e restabelecer a comunicação consigo mesmo. O todo está em certa floculação das coisas, no agrupamento de toda essa pedraria mental em torno de um ponto que falta justamente encontrar.
E eu, eis o que penso do pensamento:
A INSPIRAÇÃO CERTAMENTE EXISTE.
E há um ponto fosforescente onde toda a realidade se reencontra, porém mudada, metamorfoseada — e pelo quê? — um ponto de mágica utilização das coisas. E eu creio
nos aerólitos mentais, em cosmogonias individuais.
Toda a escritura é uma porcaria.
As pessoas que saem do vago para tentar precisar seja o que for do que se passa em seu pensamento são porcos.
Todo o mundo literário é porco, e especialmente o desse tempo.
Todos aqueles que têm pontos de referência no espírito, quero dizer, de um certo lado da cabeça, em bem localizados embasamentos de seus cérebros, todos aqueles que são mestres em sua língua, todos aqueles para quem as palavras tem um sentido, todos aqueles para quem existem altitudes na alma, e correntes de pensamento, aqueles que são o espírito da época, e que nomearam essas correntes de pensamento, eu penso em suas tarefas precisas, e nesse rangido de autômato que espalha aos quatro ventos seu espírito, — são porcos.
Aqueles para quem certas palavras têm sentido, e certas maneiras de ser, aqueles que
mantêm tão bem os modes afetados, aqueles para quem os sentimentos têm classes e que
discutem sobre um grau qualquer de suas hilariantes classificações, aqueles que crêem ainda em "termos", aqueles que remoem ideologias que ganham espaço na época, aqueles cujas mulheres falam tão bem e também e que falam das correntes da época, aqueles que crêem ainda numa orientação do espírito, aqueles que seguem caminhos, que agitam nomes, que fazem bradar as páginas dos livros — são os piores porcos.
Você é bem gratuito, moço!
Não, eu penso em críticos barbudos.
Eu já lhes disse: nada de obras, nada de língua, nada de palavra, nada de espírito, nada.
Nada, exceto um belo Pesa-nervos.
Uma espécie de estação incompreensível e bem no meio de tudo no espírito.
E não esperem que eu lhes nomeie esse tudo, que eu lhes diga em quantas partes ele se
divide, que eu lhes diga seu peso, que eu ande, que eu me ponha a discutir sobre esse tudo, e que, discutindo, eu me perca e me ponha assim, sem perceber, a PENSAR — e que ele se ilumine, que ele viva, que ele se enfeite de uma multidão de palavras, todas bem cobertas de sentido, todas diversas, e capazes de expor muito bem todas as atitudes, todas as nuanças de um pensamento muito sensível e penetrante.
Ah, esses estados que nunca são nomeados, essas situações eminentes da alma, ah, esses intervalos de espírito, ah, esses minúsculos malogros que são o pão de cada dia de minhas horas, ah, esse povo formigante de dados — são sempre as mesmas palavras que me servem e na verdade eu não pareço mexer muito em meu pensamento, mas eu mexo nele muito mais do que vocês na realidade, barbas de asnos, porcos pertinentes, mestres do falso verbo, arranjadores de retratos, folhetinistas, rasteiros, ervateiros, entomologistas, praga de minha língua.
Eu lhes disse que não tenho mais minha língua, mas isto não é razão para que vocês
persistam, para que vocês se obstinem na língua.
Vamos, eu serei compreendido dentro de dez anos pelas pessoas que farão o que vocês
fazem hoje. Então meus gêiseres serão conhecidos, meus gelos serão vistos, o modo de
desnaturar meus venenos estará aprendido, meus jogos d’alma estarão descobertos. Então meus cabelos estarão sepultos na cal, todas minhas veias mentais, então se perceberá meu bestiário e minha mística terá se tornado um chapéu. Então ver-se-á fumegar as junturas das pedras, e arborescentes buquês de olhos mentais se cristalizarão em glossários, então verse-ão cair aerólitos de pedra, então ver-se-ão cordas, então se compreenderá a geometria sem espaços, e se aprenderá o que é a configuração do espírito, e se compreenderá como eu perdi o espírito.
Então se compreenderá por que meu espírito não está aí, então ver-se-ão todas as línguas estancar, todos os espíritos secar, todas as línguas encorrear, as figuras humanas se achatarão, se desinflarão, como que aspiradas por ventosas secantes, e essa lubrificante membrana continuará a flutuar no ar, esta membrana lubrificante e cáustica, esta membrana de duas espessuras, de múltiplos graus, de um infinito de lagartos, esta melancólica e vítrea membrana, mas tão sensível, tão pertinente também, tão capaz de se multiplicar, de se desdobrar, de se voltar com seu espelhamento de lagartos, de sentidos, de estupefacientes, de irrigações penetrantes e virosas, então tudo isto será considerado certo, eu não terei mais necessidade de falar.