8.9.08

Clínica Ser

"A tarefa de amolecer diariamente o tijolo, a tarefa de abrir caminho na massa pegajosa que se proclama mundo, esbarrar cada manhã com o paralepípedo de nome repugnante, com a satisfação canina, de que tudo esteja em seu lugar, a mesma mulher ao lado, os mesmos sapatos e o mesmo sabor da mesma pasta de dentes, a mesma tristeza das casas em frente, do sujo tabuleiro de janelas de tempo com seu letreiro HOTEL DE BELGIQUE.", trecho de Cronópios, manual, Julio Cortázar


Corredor
Lílian sai do banho, acende um cigarro e vai para o corredor. Ali, encontra com o menino-de-mochila-que-quer-vazar insistindo em encontrar Ferrez, e ainda sozinho não se contenta em querer sair para fora de tudo e insiste em insistir em coisas chatas e despropositais, como “repita meu nome completo”. Lílian chama mochila em um canto e fala baixinho “você já bateu em dois, agora tome cuidado, porque eles vão te pegar”. De mochila e aproximadamente 17 anos pareceu enfim perceber que ficar colocando pilha nos outros seria um erro. Lílian lhe pede um abraço. Ele nega.

O homem de olhos arregalados e calça mijada passa fumando um cigarro e diz que hoje ainda mata alguém.

O engenheiro eletricista do Ministério da Educação que gosta de sair e brincar e gosta também de gente alegre, diz que existe, e fuma um cigarro.

Hoje ainda mato um, grita enquanto mija.

Salão de jogos
Um jovem de olhos verdes toma chimarrão enquanto assiste a um show do Megadeath. Um casal de namorados se abraça na espreguiçadeira. Quadro azul: "Não escreva aqui, porque você não tem condições mentais".

Sofá marrom
A mulher de verde e rosto cansado senta no sofá e cruza as pernas várias vezes. A de blusa azul, no mesmo assento, apenas dorme. Sua mão esquerda se mexe em moldes parkinson - às vezes rodopia no ar e estrala. Ela dorme acordada.

Eu, sentada no sofá preto, também estou neste lugar – pelo menos por um tempo, como todos sempre dizem “cheguei hoje mesmo”.

Por que você não vem morar aqui?
Existir na Clínica Ser não nos parece tarefa tão difícil. Existir aqui é um hábito, já que quando escolhemos, em algum momento, existir, ou invés de simplesmente cooperar, assumimos um risco. Isso de fato é muita pretensão, pois para se entrar na Clínica Ser não é preciso ser tão louco assim, basta ser um praticante de automedicação. O problema é sair, ou melhor, disfarçar. Todos forjam, ou naturalmente, são algo que foge a previsão.

Uma das jovens senhouras que cuidam da limpeza e da ordem local, me diz que a Clínica está sempre aberta . Aberta está minha cabeça, e sinto que ela vai rolar e continua rolando, e nada isso teria a ver com Ritalina.

* A Clínica Ser fica no Lago Norte, em Brasília

Um comentário:

Dolfo disse...

spamuanis? não entendi.