Pontos de partida (poemas)
Nós não somos
nossa pele de sujeira, nós não somos nossa horrorosa locomotiva sem imagem empoeirada
e arrebentada, por dentro somos todos girassóis maravilhosos, nós somos abençoados
por nosso próprio sêmen & dourados corpos peludos e nus da realização crescendo
dentro dos loucos girassóis negros e formais ao pôr do sol, espreitados por nossos
olhos à sombra da louca locomotiva do cais na visão do poente de latas e colinas
de Frisco sentados ao anoitecer.
[Allen Ginsberg,
trecho do poema "Sutra do girassol" (tradução de Claudio Willer)]
para Floriano Martins
CARAVANA SOLAR | Em Brasília
I
oração que me atravessa
–
linguagem,
território, força elétrica
ah,
meu corpo estrela adormecida
encostado
à luz na página brilhante e vazia
[como
fazem as crianças tecnicolor]
abandono
pedras que rebolam barro
lateral da encosta alço
topo
fumaça no vazio Chapada
compreendo,
neutralizo
capto descida
desprendo subo nova
subindo estou em descida
espetada
em galhos
arma alma branca minha:
escritura,
estilo, magia.
hasta
siempre veias abertas
ao rito, ato ritmo, harmonia
pulso
só "chegue LÁ"
e só isso do outro lado
ouço
osso
américa atravessar latino
rasgo meu corpo
escritura,
estilo, magia.
meus
Eixos, Brasília
eu-veículo
na brasa asfalto
queimo Brasília
no
terrível do espelho, o fogo
cabeça
dançarina explosiva.
seco também dentro
fora eram curvas retilíneas
rumos
de territórios nunca antes
rotações, memórias, outras
ilhas
tu,
eu, quem?
Brasília
de turas, torrões, tâmaras,
talismãs, Planaltina
invenções,
novelas, novelos, ilhas,
cântigos,
súplicas, uivos
palavra, plexo, trilha.
II
eu que não sou eu e que não serei mais eu
até que enfim renasço
novo sol que ascende e circula e se transforma e agora é imagem,
duplo, semelhança ou você outra vez farsa ou máscara abaixo e adentro arquivo do
que você fez com memória o que te deram e mostraram durante os anos que passaram
a criança rememora quando era criança não
sabia que era história quando olhou pela janela estava lua, num momento
precipício completamente noite, rua, todos os defeitos donde salto com ponta e cabeça
num riacho de escorpiões nado trilha até se cruzar com você remando contra a inundação
de plexo que toma forma e ascende novo sol em direção à curva da alma sem freio
colidem vênus, mercúrio e marte, terra vermelha, seca, você pisa e chão sente água
emana frequência, terra secreta Brasília.
III
girassol azul está no cio por isso chora
uiva e estremece
pequeno mundo de vidro
fera alegre púrpura rememora
melancolia que tem agora dentro e fora dentro e fora
cárdeo interior acredita na pequena revolução
repetindo estômago, dor e intestinos
vovó rojo ouve todo dia chamado plataforma
passaporte que ultrapassa carcaça no meio da testa
primo índigo recebe um zen-telegrama:
lágrima é lembrança
arco-íris
risadas são códigos
apague a luz, não interfira
no mundo.
IV
éramos incríveis espectros de crânios de girassóis
que lá em caverna feliz extraordinárias cabeleiras douradas
já escondiam por completo nossos próprios brilhos
éramos velhotas locomotivas de águas
passadas
& ainda vagávamos
em poeira doce e silenciosas dunas de áureo clima
nos faltava coragem
para despencar destetrilho
donde o caminho da descida era montanha que nunca termina
donde a volta da viagem era a nunca volta
mundo além dessa porta
parece nítido,
ovo explícito
éramos tubos envenenados
éramos descontraídos fogos de artifício.
V
avistamos o lago Paranoá em seu primeiro encontro com o mar. dispúnhamos
de um arrogante filete de terra vermelha que nos possibilitara um rápido recuo para
uma jovem e inconsequente panorâmica. recuerdos ressequidos enquanto certezas
se evaporavam céu por detrás. plano aos
poucos foi encharcado pela negra maré que subiu aterrissando – atravessando – o
ancoradouro. monumento erguido agora encoberto de areia, água salgada e sobras permeadas
de ADIOS. aqui me despeço: tatuagem de plexo, carta no papo e a brasa-eterna que
muito ainda há de me alar. espesso, salto no asfalto pra depois voltar expresso
de cores asfixiadas de céu. particularmente capoto em giratório nessa enxurrada
que me aniquilou o mapa. ainda posso ver emendas abrandadas. deixo meu gesto puro
"alô nós já estamos chegando lá" enquanto a natureza sopra a favor de
si mesma. dolorido parto dessa, donde afundo nova onda animal, voluntariosa e profundamente
irregular.
VI
espalho
contrário, embaralho e disperso
deixo quieto depois volto e repasso
de trás pra frente dou jeito e depois largo
largo começo antes de desaparecer no trago
vejo esvaindo aquilo
alcanço vazio menino
fibras de tecido de vidro
bordas
pra desamassar
lama entro deslizo furo
botas de
judas furos
meus pés filhotes de gatos de duas cabeças me contam uma estória muito unha
de rasgos de lâminas e entradas de parafusos de nenhuma embocadura possível
tudo costura:
call vovó seio da fartura
chamada
em espera
ouço
só preciso osso, apenas ritmo.
VII
Na Rua Do Super-Lado da Quadra-de-Lá
menina braços de Shiva
dança o corpo contra ele mesmo
é quarta-feira de Cinzas de um ano bissexto
dissociada sai em busca de receitas
Ciclobenzaprina
Venlafaxina
navalhas mansas,
música, dança, serotonina
Cínica Ser, Lago Norte, Brasília
acorda anestesiada numa mesa de procedimento
cabeça decapitada
– há um microship inserido no punho direito
sua extremidade não está mais lá:
no creo.
levanta e segue varanda
acende um cigarro que lhe traga até o cotovelo
menino mochila grita terceiro andar do bloco
Place Vendôme, 310 Norte
ela sobe contra a correnteza:
rumos de barcas aterradas
ferrovias de varetas afiadas
passa Feira,
volta Noroeste,
estranho espírito tatuado de prédios que até o sexto anulam
possível avenida de pura aurora
céu perspectiva
estranho espírito besuntado de asfalto
abre vala e lá estrangulam santuário, reserva, lobo guará do
mato.
carros, só carros
Brasília
acende outro cigarro que traga até seu peito
sinais de semáforos.
NOITES EM CLARO | Em São Paulo
I
entre
três tequilas e dois vacilos você me disse sim-sim com as mãozinhas de quem se abre
ou como quem abre pilhas de poemas de Ferlinghetti que você estava escrevendo você
não sabe mas aquela quote retotalizou e você continuava anotando tudo sem parar
palavra por palavra era um cartapácio assim como me disse jovens havia algo em vocês
ou entre vocês três e que existia algo que precisava ser repartido e já escrevia
rapidamente no pulso e lembraria para sempre nada além do canto habilmente talvez
um dia chegasse a ser algo que se aproximasse ou exprimisse ou ultrapassasse fosse
eu chegada à tuas portas tuas casas uma sacola cheia de latas você vindo virado
com o fumo e depois falaríamos hueras
várias bocas pelas coisas indo e vindo vez uma o que não falávamos estava dito e
você recitou uivo não poderia gastar janela o vento pensando em algo que não fosse
vinho as contas por exemplo não sabíamos e isso era provável enquanto tira
sabíamos não supondo escrever sobre aquilo que era belo e oculto e não me incomodava
não mesmo teu não no meio do meu peito nada foi capaz de controlar o grande livro
que ainda não fora traduzido e estava completamente pronto que abríssemos e trabalharíamos
juntos e dentro do envolvimento completamente admirável palavra única nos
unimos num feixe e fomos sucessivamente mais dentro possível e lá no encontro dos
ossos luz morte vida dança gira até o topo da montanha do teu céu um colibri armado
para o salto no grande parque que eram nossas cabeças de desafio à paralisa com
espíritos altamente caprichados & livrado mesmo de todo porque era preciso não
ter medo de ser rigorosamente único neste teu que é caminho e nos atravessa e segue
ritmo pacto entre topo e utopia eternamente nus completamente nexo assim te quero
caminhando até entrar a encosta ou o primeiro táxi que passar e consigo levar galáxias
ao alcance te celebro.
II
Esta cidade
e sua ausência me doem
tirando as partes tristes
o resto está legal
muita alegria em reencontrá-la, irmanita
são exatamente onze da noite
no tempo das noites de frio
Sampa, novas unidades de significado
outro dia vi uma mulher tendo um ataque epilético
no Largo da Batata
fiquei pensando o que você faria
se estivesse lá
passei rente ao bucho da senhora
muita gente em volta
querendo ajudar
e atrapalhando ela respirar
estou premeditando
fotografar estados aqui quase irreais
a rua ou qualquer outro inusitado
um dia o céu fechou
em plena tarde já era noite
predileção por este trabalho entre
de homens de outros matos
para além das horas
em tudo que me dá mais vida
só penso me sentir só
e tua presença reverteria este quadro
lembra que te falei do duplo?
vou tentar explicar de forma rápida
(ver também artigo)
uma figura arquetípica junguiana
o mais importante
é que é um parceiro solidário do mesmo sexo que oferece
presença
Jung nunca quis que suas definições fossem estáticas
e tidas como final
talvez quisesse que suas interpretações fossem revistas
relidas
duplos são “guias da alma”
o mais profundo
ponto de apoio da pessoa
seu Companheiro de Sexta-feira
ele pode desobstruir os processos criativos
Marx & Engels
Picasso e Braque
Paulo Leminski e Régis Bonvícino
…
a todos
eles, a ti dedico:
Carne mística, êxtase maravilhoso do possível aqui & agora
a manifestação divina, gozo noite asteroide
desobediência ao código ascendendo em círculo do
subterrâneo interior
reencontro com a superação do verme humano podre
negligenciado
em nome da tua força, cara minha
rememoro transcendência de teu bucho menininho soprando
repetido gaita para a luz vermelha vira
– o incrível nos olhos dele é como o que há nos teus
em nome do teu amor, amoer neles corrói,
realinho escritura única, teço manta mapa do grande
universo:
ponto voador de disco tatuado de plexo
pássaro escuro curvado em nosso cérebro macaco
em estado de graça, irmanita,
aqui proclamo
invalido vergonha e medo e morte
– porque te vejo sempre ao meu lado e sem você não
poderia ter sido
em nome de tua alma, estilhaço palácio sublime desencarnado:
leão verde e vermelho
dragão envenenado
ovo cósmico serpenteado
deva de mil olhos e braços
gordos budas descansados
senhoras e senhoritas carudas de todas as turas
andróginos de pintos e xotas jamais tocados
crânio de Elohim e sol de pescoços cortados
Joanas e juventudes e purezas e todos loucos em condições de tua própria
natureza.
III
noite outra
Ângela carneosso chegou muito perto-peitos e plexo talvez tivesse sido cândido
ángel que me ofereceu aquele bolinho azul ou era roxo naquela doce noite de frio
ingênuo e licencioso que ela descolou de uma paredes e ultrapassou em nós sonido
arrepio da cabeça aos pés imediatamente serafim consolidado surpreendia-nos
vários braços alado e lá os pés se afastavam do chão – e nunca mais voltada – ela
toda a vida acontecia magia voltando era São Paulo de antes de Brasília já nem sei
horas de hueras de todos os dias e mudança
de plano transição lunar do terceiro andar era um prédio antigo da Avenida São João
em seguida atravessando a Rebouças lá pelas sete pode parecer um tanto quanto arriscado,
mas o incrível é poder falar da queda que se faz ao contrário, ato de descer para
cima como a negação dos mandamentos, ou mesmo de descer para o oeste e já continuar
pelas ruas de Pinheiros onde por acaso objetivo Claudio Willer gnose ali recado
de Hilda Hilst, Julio Cortázar & Allen Ginsberg só para citar uma das
possíveis tríades, minhas asas de pavão encarcerado preto no branco devotas em cópula
sagrada, todos due gozozoz já estavam tatuados em meu plexo desde quando pela primeira
vez a palavra mágica me fora revelada sem deixar de ser ocultada em um sonho de
carne e osso quando revi a intraduzível cara da morte ou era a da incrível e libidinosa
noite de um sol negro depois de fevereiro tempo realmente terrível acordar
desconhecido compactuar com sete bilhões destituídos de todo e qualquer girassol
possível e maravilhoso.
ancas e pescoço
primeiro beijo já visto
ele se prontificou inteiro para dentro dela
ao lado colados
círculo de melindres & calças livres
senhouras e senhoures
experimentaram o encontro de seus incupables pelos
experimentaram rumos de todas as direções
experimentaram novos lábios
ultrapassem fachadas
tatearam nova gramática para fora de todos os centros:
cabeça cruz igrejinha pactuaram
naquela esquina.
IV
Pronto-socorro infeccionado na unidade clínicas
fila de emergência com mais cem tipos de vírus altamente influenciados
bactérias calorentas em demoras no frio estão mui locas
e infernizadas diante desta burocracia caralha
mais dócil morrer logo esperar a fúria desintegrada do atendimento
público-privado
CEP ou CPF
cem pila
fichinha completa para mala-direta do plano de saúde dopado
sobrevivemos mas nunca compreenderemos.
V
Mamãe exu-Belém foi morar perto do trilho do trem embaixo da escada
da estação
acendeu velas vermelhas e pretas no chão da encruzilhada, aonde
deixou também uma garrafa vazia de cerveja
na calçada comeu, deixou restos de arroz e feijão
passara noite, cama papelão & asfalto com camadas de restos
de noites de birita deixados na porta de botecos impregnados de álcool, toicinhos
e braguilhas
pela manhã acordou com Yakult na cara
lavou a roupa e pendurou na grade da escola primária
aonde bebês às oito da manhã sonhavam com um mar-de-leite e gigantes
tetas de montanhas bastardas.
VI*
São Paulo está me deixando tão pra baixo
Brasília vai me fazer cair o cérebro
e todos deveriam saber sobre
o Kibbutz Jesuix.
você pode sentir isso?
eu sei que sim
está tudo no ar
mão posso viver sob essa pressão por mais tempo
alguém aí – um amuleto, uma palavra de fé?
cães chovem em minhas preces
crianças na escolas sentam nas grades
gatos pretos atravessam meu caminho
será hoje meu último dia?
Deus tenha piedade dessa ilha de ilusão
nós que saímos voltaremos em algum momento?
não pertenço aqui
não pertenço alá
sempre me guiarei
– autoconhecimento.
não me diga não
não vou dizer que está tudo bem
eu e meus broders estamos indo
estive do lado de lá então sei
eles continuam dizendo: –
Pega leve!
Mas aqui só tem problema?
Pega leve.
Lavando a janela?
Pega leve.
Limpando o ouvido?
Pega leve.
Só vê podridão?
Pega leve.
Você diz que sou preguiçosa?
Pega leve.
pra onde estou indo?
o que estou fazendo?
eu não sei!
eu não sei!
melhor tentar fazer que há de melhor
vamos lá, aqui
vamos dizer a eles enfim aonde fica nosso Kibbutz.
greves e filas
cotas para negros
eles tentam dizer que isso é comunitário
– igualdade precária, mes amis.
Participação em rede?
Pega leve.
Reencontros?
Pega leve.
Delicadamente?
Pega leve.
Violentamente?
Pega leve.
Você pode ver?
Você pode sentir?
Eu não sei!
Eu não sei!
você não precisa ficar por perto
devolva a esperança antes passar ou seguir.
todo mundo sabe sobre São Paulo
todo mundo sabe sobre Brasília
& agora eles vão ficar sabendo também sobre o Kibbutz do desejo.
[*] Esta é uma releitura rítmica de "Mississipi Goddam", interpretada por Nina Simone.
VII
Chefe touro vertiginoso
na esquina da Cônego Eugênio Leite com a Rua dos Pinheiros gargalhada bizarra
depois muito para dentro de seu coração estreito
outros negaram seiquelá sentados em seus silêncios de bunda
ele sabe não sair
de casa nunca como uma criaturinha temerosa e assustada cujos olhos só se abrem
a coisitas
Iarrová Elohim plantou
um jardim
viu que homem nele havia arremessado fogo
queimando frio por dentro cruzou o portal
- enquadramos agimos de olhos fechados -
serpente espiralada aqui & acima manda também excessos
La Madre Divina Kundalini
desce a Arthur de Azevedo descabelada elegante, fora do tempo, fora de moda
cantarola:
daqui ou de lá altura nunca terceiro andar
(ei-ei, não há um funeral lá fora)
Tristan Chant é carne
moída no trilho do trem
Breton morreu tentando salvar Artaud en La Rave
Enoch e Elias são de nós
a festa está mais umbral que astral
nada é por acaso
se liga cantares
não negue cantarola
não negue sopros e sim
você está em sua rota
Estação da Luz: atenção
não tremer
Santa Teresa D’avoa acaba de cair dentro do buraco
Bruxa velha voluntariosa
gosta de tatuagens sussurra “então, vai comer? Este é meu corpo entregue
Rodrigo sem sobrenome
queria ter um nome próprio
Crânio de Elohim em meus dentes guardados
Sarah Vaughan dançando ao fundo – é um homem que enfia a boca para dentro do cu.
Vem Nina, vem!
Chefe Ares dá um
teco em minha bolsa
Entro no cabaret e daí – mania de pássaro de uma asa só – e daí
Mamãe
defuma eu
Papai defuma.
IX
Enquanto você bebe e conversa alguém de olho na posição de seu
signo e ascendente, seu futuro para dentro suas pernas, no chão – mesmo sem ninguém
por perto – e quando você menos espera um emprego vira a esquina, uma cerveja ou
um café com primas de infância de Brasília, a mão esquerda da luva ou uma resposta,
um rumo, um quarto cheio de doces, um bebê bochechudo, uma moeda de outro
século ou um projeto de pesquisa.
me ligaram da indústria farmacêutica, me propuseram uma mudança
imediata ao Sul do país, profundos olhos de beagles e experimentos demais, eles
diziam muitas coisas e eu tinha que voltar a Brasília: juntei uns livros do Ezio
Flavio Bazzo, devia ter te falado antes ao Faraó, o cara estava sentado aqui, nessa
cadeira, relembrando os combates territoriais de peixes dos recifes de coral e tubarões
de pulsões quase morais de certos sociáveis desprovidos de amor ou garças, em festa
sangrentas guerras maciças das ratazanas. Saudade Borges,
labirintos, espelhos, máscaras, Brasília: Las notches y las nuestras pesadilhas.
XI
SALÉM
– E então?
TRÁGICO-ZEN
– Zero.
SALÉM
– Por acaso você volta quando?
TRÁGICO-ZEN
– Não sei.
SALÉM
– Fora isso, tudo bem?
TRÁGICO-ZEN
– Não reclamo.
SALÉM
– No fim é só esquecer?
TRÁGICO-ZEN
– Arrumar também uma cabana e me afastar para não muito longe da cidade.
XII
Pelé tem dezoito filhos todos envolvidos em esconderijos rendondamente
gordos vestem a camisa e vão rolar na esportiva civil do domínio no sem dono pra
levar pro buraco encapuzado mas o centro é duplo cada um põe no do outro no dos
outros vai pimenta rolando roubando, pai eu tô na globo, empurra culpa, entra no
carro, é preto, caralho, então corre, é redondo, bateu, entrou, é pai é pé é mãe
é mão, lavou, é gol.
TRAVESSIAS
Um passo à frente e
você não está mais no mesmo lugar.
Chico Science
ARGENTINA
este
pássaro estava me esperando na rua Peru 565, Buenos Aires
talvez não tenha me dado
conta a tempo, mas era o ano Cortázar
talvez não tenha me habituado,
mas este pássaro era Presencia
o mesmo pássaro que me esperava
em outras esquinas –
de tantas outras avenidas,
strs., boulevards, shoppings
inclusive a final da Avenida
Jorge Luis Borges, livrarias, perspectivas
esse pássaro me esperou
na plazoleta, em Palermo
em outras que virão
haveria de me esperar?
viajo porque sei que encontrarei
o pássaro
dito entre livros, tente
deslizar
passei mal e vomitei e era
um pássaro
este pássaro estava me olhando
com cara de bife de chorizo
nachos
e queijo derretido e bares de whisky com suco de limão goela abaixo
este não é um pássaro, é
um cão
este cão estava me esperando
na Avenida Orlando Carpinelli, praia do Pontal
sim eu me dei conta de que
este era o ano final do calendário Maia
talvez não tenha me
habituado, mas o mundo não acabou
o calçamento de pedras seguiu
pé-de-moleque
continuei deixando que me
mordessem os pés
enquanto o barco que ia,
voltava
as ondas contínuas
minha vida onda
indo e vindo com assiduidade
búdica
era rigoroso o caminho até
a montanha
entretanto ele a meu lado,
parceiro, me seguia e me
esperava
me haveria de seguir à espera
sempre do outro lado?
este pássaro me lembrou
que também é Ema a constelação que se chama Brasília
além apesar das grandes
asas é incapaz de volar
este pássaro está sendo
aplastado por carros
este pássaro não to a fins
de herdar.
fico porque não compreendo
por que tanto passo pássaro
sigo porque aprendi a suportar
o som do estilhaço.
HUNGRIA
nunca sonhei com você
recuerdo a todo instante nas vitrines todos os Chicos
piscinões do Danúbio (Szechenzyi, Rudas – thermal
baths)
luckies-light a 600 forints, kohh-sey-non
castelos de Buda, ereções de Peste
reminiscências comunistas, buracos vândalos, a sempre
noite, as garotinhas bem bonitas estilo Amélie Poulain na pista
para toda a graça de Neto, todas húngaras
Sok,tah keh.
F all-knee Ozz arshe sure randy?
se te confio meus olhos, se me pulso bebo a acreditar
outra vez
palavra de mulher, vou voltar.
FRANÇA
vôlei de praia em Montpellier com desodorantes de cinco euros
sul da França em litorânea é bege, tanto organizado
quanto bege e azul bem claro
as velhas escoteiras marronzinhas estsão vermelhas
e marcadas de excursão entopem os vagões do trem
não há vagas descemos todos em Mônaco para um Grand Prix
aqui não entraremos em muitos detalhes
Nice é meio fechada e blasée
casual Burger no McDonalds com gay vegetariano de
Los Angeles
puis plus
ESPANHA
o coro da torcida do Barça atravessa a ruma
me abraçam as curvas psicodélicas de Gaudi
as tetas inusitadas da prainha
sedentos inescapáveis vendedores de suvenirs
onde fica mesmo o mercado de boquetes?
mercadona supermercat, volveria.
ITÁLIA
Bangladesh tomam o centro de comércio interminável
perguntou tem que pagar
XIX century architecture
descendo e subindo a Via universitá
briga italianos no metrô: falam mais alto mas no máximo um peito a peito
de volta ao seaside, perda e recuperação da cor
Hill of the Volmero
alerta Versuvius, atividade erupção
sequência de praias-de-pedras
Sorrento, Meta, Seiano
a hospitalidade italiana, vivi um "vem comigo"
música-brasileira em carona com Celeste
também uma em Itapoã uma tarde com Franchesco
todas as mulheres, todos os gondoleiros
estou pagando a promessa que eu não fiz
Roma, velho palíndromo.
REINO
UNIDO
Vodka rum whisky coca soda irish cream
sofás cider
cerveja tequila-gim high duble drink banquinhos
coca scott
vinho ice
dardo sinuca
pub red bull psicoativos alcaloides sintéticos
transexuais do oriente seguranças a serviço da antipsicotropia
socos no balcão itálias nervosas vietnamitas chineses sedentos da experiência antropológica
poder da mente punhos de escritor um velho
amigo de outra língua.
*Escritos reunidos para Floriano Martins, publicado na Revista InComunidade (com desenhos) - em Junho de 2015.