9.9.10

memórias cariocas (capítulo primeiro)

há mais de cem (ou cento e noventa e sete anos) estive eu caminhando lentamente por Botafogo. cigarro no bolso. chapéu-coco. salve manuel, eu. meu caminhar era coisa de cinema ou aquela novela toda. dá pra imaginar: visualizo-me superando Jim Jarmusch - pisando sem cuidado pelo asfalto improvisado. pedras portuguesas, que beleza. puro jazz-proto-bossa-nova. ah sim, eu era um velho (mas bem moço por suposto) português com bastante sotaque e bigode portugueses e aquela piada toda. aquele clichê, sabe como é. riem-se de mim. riem-se porque não sabem a verdade dos fatos. tive eu uma padaria em Botafogo. facto. nasci pobre. facto. fui assaltado. facto. por conta disso meu original estabelecimento ficou conhecido como PADARIA NO SUFOCO. e eu, como o sufocado.

"fala manuel, tá mais calmo?"

calma nunca foi minha prioridade. meu lance tá mais pra resolver. se me perguntam "tá resolvido", direi sim, claro. está tudo determinado. por vezes acho que deveria me orgulhar disso - isso que no fundo se chama fé. alô cristo ai em cima, continuo aqui embaixo. não é pra qualquer um, te digo por tudo que é santo e por tudo que é ou foi cruxificado. o cara depois de ter sido amarrado, vedado, sufocado e explodido pra dentro deve ser considerado. não quero estátua nem cântigos. só quero flores um lápide (caixinha de cinzas) escrito: pronto, resolvido. um dia me assaltaram e me amordaçaram e eu explodi pra dentro. sabes como é isto?